quarta-feira, 25 de julho de 2007

Não existe colher



Apresentou-se ontem em Lisboa a cantora Aimee Mann, expoente americano da "música de adulto". Geralmente, uso o rótulo para bandas e cantores que tocam na Alpha, na Antena 1 e similares: trilha sonora chata de gente ídem, pretensamente madura. Como um antigo chefe, em cujo carro, a caminho de uma reunião, ouvi Light House Family e pensei pela primeira vez no termo. (Pensei também que se aquela merda era o que os adultos ouviam, preferia continuar na minha síndrome de Peter Pan.) Mas, no caso da Aimee, a catalogação assume outro significado. É música de adulto não porque fala de relacionamentos desfeitos ou impossíveis, temas comuns à maioria dos compositores, mas porque o faz de modo belo, triste e sofrido, trazendo os personagens das canções à retina do ouvinte - desde que ele seja, hum, adulto, com quilometragem suficiente para ser sensibilizado pelas letras.

Que o diga Paul Thomas Anderson, diretor de Mágnolia, que concebeu o filme e muitos de seus diálogos a partir das poesias da moça. Mesmo tendo influenciado a tal ponto a obra do cineasta, as composições da senhorita Mann (que, por volta dos 40, só é senhorita ainda porque somos machistas e assim chamamos mulheres solteiras, como acredito ser o caso dela) não emocionaram meus amigos: preferiram a pré-estréia do filme dos Simpsons (vejo semana que vem, sem falta)ao meu convite para o concerto.

A opção dos meus amigos me fez lembrar uma frase escrita por mim recentemente, à qual não tinha dado muita importância."As coisas têm a importância que se dá a elas" estava na resposta ao comentário de uma leitora ofendida por um texto meu publicado no Morfina. Era apenas a conclusão de um racicíonio, um conselho para que ela não levasse tão a sério as bobagens que escrevo. Ao relembrar, no entanto, me dei conta da profundidade dessas palavras despretensiosas e duvidei que de fato tenha sido o seu autor. Mais provável tê-las lido ou ouvido em algum lugar que não me ocorre. Não sou tão sábio assim, não, senhor.

Não é exatamente esta a medida das coisas? Enquanto a música da cantora inspira a um realizador sua obra-prima, faz fãs menos ilustres repensarem suas existências ou, pelo menos, terem um assunto para o jantar depois do espetáculo (que, por sinal, aqui não acontece: as cozinhas fecham às 23h), meus amigos pouco se fodem para ela. Note: não os estou recriminando por terem preferido os Simpsons - eu também teria ido a essa sessão se não tivesse lembrado dos ingressos já comprados. O ponto (um tanto óbvio) que quero defender é que a mesma coisa que faz alguns perderem o sono faz outros simplesmente bocejarem. Tudo depende da importância atribuída.

É assim com a religião, é assim com a política e também com outros assuntos que, ao contrário desses, se discutem. Filatelistas percorrem o mundo atrás do selo que alguém jogou no lixo anos atrás. Adolescentes apanham de seguranças ao tentar chegar ao palco de um show de rock que faz os vizinhos do estádio ligarem para a polícia reclamando dos decibéis excessivos vindos de lá. A deusa que deu um pé na sua bunda vai levar outro de um sujeito que, ao contrário de você, não vê nada de divino nela. Fãs caracterizados dormem frente às livrarias esperando do último volume da série "Harry Potter", enquanto eu não vi nenhuma das adaptações para o cinema.

Também do cinema e responsável por culto nerd, um dos "Matrix" traz uma passagem bem representativa do que digo. Neo, messias dos humanos vampirizados pela inteligência artificial que domina o mundo e mantém suas consciências na nossa realidade, na verdade uma dimensão ilusória (estou explicando para o caso de você estar para "Matrix" como eu para "Harry Potter"), é levado ao encontro de uma espécie de pequeno Buda da Matrix, um ser iluminado ainda na infância. O personagem do Keanu Reeves, perplexo com a capacidade do moleque entortar colheres (plágio do Uri Geller), ouve do talento mirim: "Não existe colher". Quer dizer, ele só consegue entortar o talher porque se dá conta que, de fato, ele não passa de uma ilusão criada pelos robôs, assim como todo o resto. Já a mãe dele, não tão evoluída, devia ficar puta com tanta colher estragada a cada vez que recebiam visita.

"Não existe colher" é outra formulação para "as coisas têm a importância que se dá a elas" - sabia que uma coisa dessas não podia ter saído minha cabeça. Quando você se dá conta disso, passa a ver as coisas de outro modo. Um idiota faz pouco caso do seu currículo numa entrevista de emprego? Não se sinta humilhado. Fora desse contexto, seu entrevistador deve ser um bosta. Só mais um coitado que passa as noites de sábado com um pullover amarrado no pescoço, um copo de uísque aguado em uma das mãos e nenhuma mulher na outra. Pense nisso, e, ao sair da sala, dê a mão e um largo sorriso para o loser.

Depois, no carro, indo para casa, ligue o rádio. Preste atenção na música. De repente, ela pode mudar a sua vida. Só não vai sintonizar na Alpha ou na Antena 1, hein?

4 comentários:

... disse...

AIMEE MANN é genial e ponto.

ju leal disse...

Le, um texto pra pensar... penso que pra mim vc é importante, em qualquer perspectiva, por isso sinta um forte abraço bem saudoso da terrinha aonde palavras como "manga" por exemplo (foi essa que me ocorreu, juro, pode rir) pode representar um caloroso inverno ou uma fruta fresca, depende de como vc olha pra palavra... depende da perspectiva. acho que esse é meu novo lema. hahaha

ju leal disse...

após reler meu comentário, to tentando descobrir o porque eu escrevi essa da manga... vixi.

Leandro Leal disse...

Brigadão, Juba. A recíproca é mais que verdadeira. E, quanto à manga, relaxa. Manga só faz mal se misturar com leite. :-)