terça-feira, 15 de outubro de 2013

Caro Willy Russel...

Meu último aniversário meio que coincidiu com o lançamento do seu “Caro Morrissey...”, o que facilitou bastante a vida de quem quis me dar um presente – alguns amigos podem até não ter certeza do meu nome, mas todos sabem que sou fã do cantor. A explicação para eu não ter pelo menos umas cinco cópias do seu livro está no fato de que, entre todos os meus amigos, o único que quis me dar um presente foi o Tércio. Não que eu tenha ficado chateado com os outros, Willy. Eles simplesmente me pouparam o trabalho de ter que ir à livraria trocar por outros títulos e, assim, aumentar minha pilha de livros para ler. Nessa pilha, no meio de tantos volumes comprados em promoções, está outra explicação, porque não adquiri o seu livro antes. Mas no título da sua obra reside mais uma explicação, para o fato de você ter passado na frente de gente como Paul Auster, Philip Roth, John Cheever e George Orwell.

Você furou a fila, mas nem tanto. Antes de “Caro Morrissey...”, li alguns dos que estavam na tal pilha e, em seguida, revisei meu próprio livro, que também carrega Morrissey na temática e no nome. Mesmo que o meu romance já estivesse concluído há dois anos, não quis correr o risco do seu influenciá-lo – afinal, se livros podem ser rescritos depois de publicados, imagine antes. Semana passada, enfim, passados quase dois meses, dei início à leitura. Era noite de domingo e eu, com sono e má vontade – inconsciente, talvez por ver você, Willy, como um rival –, li pouco e pouco gostei. Mas as páginas a mais lidas no dia seguinte foram suficientes para desfazer a impressão inicial e a má vontade. Já na sexta-feira, tinha dado cabo de todas as 357, abarrotadas de texto condensado em tipologia minúscula e entrelinha simples. (Sim, Willy, eu sei que foi uma decisão editorial para reduzir o número de páginas e o valor de capa, mas atrapalha a leitura.)

Se a adolescência é uma fase particularmente complicada, o que dizer da adolescência de Raymond, seu personagem? Sua má sorte começou aos 11 anos, num incidente de natureza vagamente sexual, que o fez passar de herói da hora a pervertido local. Quer dizer, na verdade, o azar do menino teve início anos antes, numa encenação natalina que não o tinha como protagonista, mas também envolvia uma polêmica sexual. Somados a outros, esses eventos expulsaram o garoto de sua cidade, forçando-o numa jornada em busca de trabalho braçal, aceitação e, principalmente, paz de espírito. Durante o trajeto, feito à base de caronas e desventuras, Raymond escreve sem parar. São cartas ao seu ídolo, contando para ele (e para nós) a infeliz história de sua vida. Todas as missivas – e capítulos – começam com o “Caro Morrissey...” que dá nome (convenhamos, Willy, bem mais apelativo comercialmente que o original “The Wrong Boy”) à edição brasileira. Aliás, gostei dessa sua escolha narrativa, Willy. Confesso que gostei menos das partes em que a história é contada não pelas cartas, mas pelas letras de músicas – inspiradas por Morrissey – que dividem o caderno do menino com elas. Primeiro porque a tradução de poesia é sempre inglória – ainda mais para quem não é poeta, como imagino ser o caso do tradutor –, depois porque suponho que as letras sejam intencionalmente ruins. Tudo bem que as letras são a minoria do livro, mas as mais de vinte páginas de “poesia” ininterrupta quase me fizeram desistir. Sério.

Ao contrário do que diz a resenha da Rolling Stone, sei que você, Willy, não é “fã devoto de Morrissey desde os primórdios dos Smiths”. Li na “Mozipedia” –  de título autoexplicativo, item indispensável para fãs devotos de verdade, como você a essa altura deve ser – que você descobriu a banda depois de já extinta, com o som vindo do quarto do seu filho adolescente. Foi para fazer uma moral com o moleque que você escreveu a primeira “carta”, não foi? A partir dela, você percebeu que a ideia tinha fôlego suficiente para se desenvolver num romance. Lendo “Caro Morrissey...”, dá para entender porque o texto fez sucesso com seu filho. Na voz do protagonista Raymond, em nenhum momento ouvimos a entonação do “tiozinho” (desculpa a sinceridade, Willy) de mais 50 anos que você era à época da publicação. Como as de Morrissey, suas letras carregam tragédia e humor em doses alternadas, mas eu discordo da crítica reproduzida na capa, que aponta o livro como “obra-prima do humor”. Para mim, o que predomina mesmo nele é o drama.

Na “Mozipedia”, também vi que o próprio Morrissey leu seu livro e gostou. Que moral, hein? Por isso, Willy, dá para dizer que você é o detentor do título mundial nessa categoria. Também por isso, mesmo que disputemos na mesma modalidade, não sei se devo considerá-lo um rival. No mínimo, porque, para desafiá-lo, primeiro “Quem vai ficar com Morrissey?” precisa ser traduzido para o inglês. E antes que isso aconteça, claro, meu livro tem que ser publicado em português mesmo. Deixa como está. Com você, o cinturão está em boas mãos. 

Do seu “rival”,
Leandro


PS: Para não ser injusto com os amigos, lembro que o Bucha me deu uma linda coleção de imãs de geladeira com as obras do Edward Hopper. E que os camaradas que, além do Tércio, foram ao bar comemorar comigo me pagaram várias doses. Além de livros bacanas, esse é bem o tipo de presente que gosto de ganhar.