sexta-feira, 1 de julho de 2011

Hits

Meu amigo Juliano Barreto tem uma série genial de e-mails fictícios nunca mandados. São pequenas crônicas de desilusões amorosas, tão tristes quanto bem escritas. Para a minha volta a este blog, pego emprestada a idéia do meu amigo.

From: Eduardo Saraiva
To: Daniela Almeida
Date: Fri, Mar 4, 2011, 1:53 AM
Subject: Hits


Você sabe: entre as coisas que eu mais odeio na vida – e você sabe que não são poucas as coisas que eu odeio – está a expressão “é show”. Associo diretamente ao Luciano Huck e a outros chatos menos ilustres, mas igualmente chatos. Mesmo assim, para definir a nossa situação, sou forçado a usar essa adjetivação – não com o mesmo sentido, porque ela está longe de ser “show”. Nosso relacionamento foi “um” show, mas daqueles que não são “show”, sabe?

Lembra do último show do Lou Reed no Brasil? Nada de “Satellite of Love”, “Perfect Day” ou “Walk On The Wild Side”. Só a barulheira horrorosa do “Metal Machine”, aquele disco “conceitual” cultuado por meia dúzia de imbecis pretensiosos, do mesmo naipe dos que fingiram gostar deste concerto. Os mais honestos admitiram: foi uma porcaria. Além de não ouvir nenhum dos hits, ainda foram torturados por músicas tão agradáveis quanto o barulho do motorzinho do dentista. Nosso relacionamento foi um show desse tipo. Não me entenda mal: não foi chato, muito menos um martírio, mas a expectativa por hits foi frustrada.

Quer dizer, eu pensei que a gente fosse um hit. De cara, não dava para imaginar outra coisa. A gente combinou demais, se encaixou demais. Cheiro, beijo, sexo, papo. Fomos nos envolvendo, nos conhecendo, nos gostando. Antes que nos envolvêssemos, nos conhecêssemos ou nos gostássemos demais, você foi clara: não podia passar daquilo. “Tenho o controle da situação e não quero um relacionamento sério”, você afirmou com a propriedade boba de quem pensa ter poder sobre assuntos dessa natureza. Boba para mim, que assumo não ter e não querer ter. Agora, você mostra que, desde o princípio, tinha esse poder. E a razão.

Os honestos do show do Lou Reed têm motivos para não ter gostado, mas não para reclamar. Ao comprar o ingresso, sabiam o que os esperava: “Metal Machine” seria todo o repertório do espetáculo. O poeta de Nova York nem sequer trouxe na bagagem os seus versos – tudo o que passou pela alfândega foram os desagradáveis decibéis de sua obra controversa. Da platéia, deve ter vindo um ou outro pedido anônimo, “toca ‘Vicious’”, celeremente ignorado por ele, verdugo a manipular seus instrumentos de tortura auditiva.

Lou Reed em corpo de Nico, você também antecipou o que me aguardava: nada de hits. Fingindo não ter lido o cartaz, eu insisti: toca aquela. Fingindo não ter ouvido, você tocava o que lhe desse na telha, sem ligar para a platéia. Aí, eu, finalmente convencido de que o hit não viria, resolvi levantar e ir embora.

Outro show me vem à cabeça, um do The Cure. Uma das minhas bandas preferidas, me abalei até o deserto da Califórnia para ver o Robert Smith cantar as músicas que marcaram minha adolescência e, até hoje, têm um lugar especial na minha memória. E não são poucas: sem pensar muito, lembro de, pelo menos, umas vinte. Já o grupo não parecia lembrar delas, muito menos de como se toca. Qual era a explicação para, após uma hora e meia, eles só terem tocado umas duas delas? Como era espetáculo com hora para acabar e essa hora já tinha passado, a organização começou a desligar os refletores, depois, a aparelhagem de som. Bem quando a banda, finalmente, tinha resolvido tocar aquilo que todos tinham vindo para escutar.

A vida é muito curta (desculpe começar a frase assim, mas não me ocorreu um jeito melhor) para a gente ficar economizando hits. Não adianta começar os primeiros acordes quando já estiverem varrendo o lugar, vazio.

É, pensando bem, talvez a gente seja mesmo o Lou Reed e a platéia do show do SESC Pompéia, cada um com idéias completamente diferentes de como deve ser o show. Aí, problema da platéia, problema meu.