terça-feira, 23 de junho de 2020

Chega de TV por hoje

Ah, o home office. Com a TV do lado, fica difícil resistir à tentação de dar uma olhada. Mesmo que seja um programa que você deveria ignorar, que um amigo te indicou “porque é importante saber como o outro lado pensa”. Sempre me refiro à curiosidade mórbida, mesmo sentimento que leva a desacelerar o carro ao passar por um acidente de trânsito, para explicar o que me faz assistir ou ler esse tipo de coisa. Só isso justifica eu ter dado audiência a uma mesa redonda composta por blogueiros alvos do inquérito das fake news, com participação à distância do famigerado Alexandre Garcia.
O apresentador do programa, outro ex-jornalista, nem tentava disfarçar o alinhamento ideológico com os convidados, reunidos sob o pretexto de debater “Progressismo x Conservadorismo”. Ao falar que um deles era investigado pelo STF, antes que o sujeito respondesse, se corrigiu: “Investigado não, perseguido”. Mas, movido pela curiosidade mórbida, resisti. Aguentei por hercúleos minutos enquanto os ouvia defender coisas como o fechamento de fronteiras para imigrantes – fora de tempos de pandemia –, ou afirmando que a bandeira antifascista era estendida nos quartéis generais nazistas na Segunda Guerra. Absurdos e mentiras ditos com a arrogância e a convicção que só os idiotas têm: “Me diz um só intelectual da esquerda, um só?”
Quando já ia desligar a TV, a curiosidade mórbida me pediu para esperar o comentário do Alexandre Garcia. Em defesa das manifestações antidemocráticas – às quais não se referiu assim, evidentemente -- disse mais ou menos o seguinte: “A esquerda não está acostumada com protestos e pautas do outro lado, é um fenômeno recente, por isso ela os demoniza. É uma característica totalitária não aceitar opiniões e expressões contrárias, querer sufocá-las.”
Não pode ter sido de propósito. Não é possível. Parecia que aquele senhor não estava falando da esquerda, mas descrevendo um certo presidente, a quem apoia. Um tal que prometeu “metralhar a petralhada”, que incentiva agressões à imprensa, que promove o linchamento virtual – e por vezes literal – de opositores.
Então, já às 10h da manhã, decidi: chega de TV por hoje.

sábado, 5 de maio de 2018

Fuga da MEGASTORE

Sabe a tal conveniência? Foi ela que me fez ir a uma dessas mega livrarias, num shopping perto de casa, ontem à noite. Precisando comprar um livro para animar um amigo hospitalizado, procurei a livraria mais próxima. Era aquela. A explicação parece desculpa porque é isso mesmo. Me senti culpado por entrar lá. Já havia estado ali, mas não lembrava de ser tão ruim.
Olhei para as prateleiras e vi que aquilo era tudo, menos uma livraria. Nem eles mesmos se dizem uma: são MEGASTORE. Tinham livros - afinal, qualquer pilha de folhas com texto impresso e encadernada é um livro -, mas raríssimos que valessem a celulóide. Autoajuda, religiosos, subliteratura distópica e pseudoerótica, titulos assinados por youtubers e promotores da Lava Jato. Pense numa aberração, e eu te garanto que eles tinham. Livro "livro", desses que a gente recomenda ou cita para "fazer charme de intelectual", pouquíssimos.
Diga que é bobagem, mas eu fiquei triste, abalado mesmo. Livrarias costumam ser lugares legais, onde gosto de passar horas. Daquela, mal podia esperar para fugir. Pode ser que a minha impressão tenha sido essa por eu insistir nesse negócio de escrever, e, naquele cenário, questionar a validade das horas empreendidas nisso.
Mas, como disse, havia uns poucos bons livros lá. Pareciam escondidos, reféns rezando para ser resgatados do cativeiro. Depois de muito procurar, numa contagem de tempo canina, consegui achar o que parecia ser um deles. Peguei, paguei e saí correndo. Sem olhar para trás, antes que os sequestradores se dessem conta.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Eu acho



No dia 12 de abril de 2013, eram cerca de 6h da manhã quando cheguei ao hospital de Barretos. A Rita já na sala de cirurgia. Encontrei o Rogério num corredor, diante de quadros de cortiça nos quais eram expostas fotos de bebês nascidos ali.
     – Olha isso – o Rogério me mostrava, um tanto assustado. Ao ver o aspecto de muitos dos nenéns e sendo, como meu irmão, uma pessoa malvada que não vê beleza em todas as crianças, logo entendi sua preocupação. 
     – Será que a Laurinha vai ser bonitinha? –, ele me perguntava.
     – Claro que vai –, eu respondia, sem muita convicção.
     Obviamente, desejávamos que ela nascesse bem e saudável, mas essa preocupação boba era a que nos afligia nos instantes que precediam o parto. Será que os registros dos outros atestavam o azar comum à maioria dos nascidos naquele hospital? Será que, mesmo com pais bonitos, a Laura ia...
     Um tempo depois, quando enfim vi a menina, o alívio: minha sobrinha era muito, muito bonitinha. Nada da cara de joelho que se diz comum a todos os recém-nascidos, que os parentes afirmam, por amor e pela convenção, ser linda. Tinha traços delicados, mas já definidos, todos bonitos de verdade. Ou podia ser que eu, como os parentes de recém-nascidos em geral, tivesse o julgamento turvado pelo afeto. Na dúvida, ainda sem abdicar por completo da malvadeza comum, eu e meu irmão nos perguntávamos: 
     – É linda, né?
     – Claro que é.
     Para a gente, ela era linda. Passados 5 anos, continua sendo. Não só linda. Simpática, divertida, amorosa, inteligente. E digo isso sem parcialidade: se minha sobrinha fosse o oposto, eu admitiria. Dificilmente escreveria textões afirmando e me orgulhando disso, mas, no íntimo, admitiria. Sorte nossa, e de quem convive com a Laura, que não é. Quer dizer, eu acho.