quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Publicidade x Futebol

Comparações entre a publicidade e o futebol não são a coisa mais nova que existe. Não sendo publicitário, você talvez não saiba disso. Mas, como alguém que às vezes não muda de canal durante o break, deve saber que, em se tratando de publicidade, é cada vez mais difícil ver algo realmente novo. Se você acompanha meus textos com certa freqüência, deve saber também que trabalho na área - da publicidade: falando num esporte que tem a grande e a pequena, é preciso ser claro. Por isso, não leve a mal se eu traçar mais um paralelo entre o meu campo e os de futebol. Originalidade não é nosso forte. Fazendo absoluta questão disso, não tem problema: pode acessar outro site. Já estou acostumado com gente que não quer ver o que eu faço.

Devem haver outras metáforas possíveis para substituir a do jogador reserva chamado pelo técnico nos instantes finais da partida com a obrigação de reverter um placar adverso, mas, me desculpe: tenho que terminar este texto agora (coincidentemente, também nos últimos minutos), e não posso perder tempo procurando. Francamente, se tivesse tempo para pensar, apelaria para o bretão na mesma. Se você tivesse que descrever uma situação em que é chamado para um freelance de três dias, entre o natal e o ano novo, aposto que faria igual.

Estou desempregado – o que, ainda seguindo a absurda linha de raciocínio de acordo com a qual você lê meus textos regularmente, você já sabe. Por isso, voltando à analogia do suplente, no finzinho do ano, eu apenas aguardava o apito do árbitro. Com o uniforme limpinho, eu me dirigiria ao vestiário. Sim, meu time perderia, eu ouviria o sermão do professor, mas, não tendo participado do jogo, não vestiria a carapuça. Até parece. Véspera de feriado, um amigo me liga e oferece o freela de que já falei, para cobrir outros redatores, de folga durante as festas. A questão é que (tome futebol!) não era só para cumprir tabela: haveria campanhas a ser feitas – mesmo porque, do contrário, não haveria por que pagarem um freelance. Espírito natalino? Sendo o dono da agência judeu, acho difícil.

Antes de responder se aceitava, confesso que titubeei. A grana não era nenhuma maravilha (já falei que o dono da agência é judeu?), talvez não valesse entrar numa fria dessas. Ainda mais se levasse em conta que, como muitos reservas, fazia tempo que eu não encostava na bola. Com viagem marcada para dia 27 (também conhecido como hoje), pensei seriamente em seguir o exemplo do Dinei, ex-Corinthians: numa semifinal de Paulistão, há poucos anos, o então semi-ex-jogador, na época na Portuguesa Santista, foi chamado pelo treinador ao final da partida e se negou a jogar. Disse que estava lá mais para dar moral ao resto do elenco, passar experiência... Por essas e outras, o sujeito é ídolo de todas as torcidas.

Não estou com a vida ganha como o craque do cabelo descolorido, então, comecei a me alongar assim que coloquei o telefone no gancho. Agora, aqui estou, fazendo companhia ao goleiro, que, aos 47 do etapa complementar, também tenta o cabeceio. Na cobrança do escanteio, a bola é alçada à área. Sobra para mim. Mato no peito e chuto. Se entrou? Também não sei. Mandamos o trabalho para o e-mail do diretor de criação (o judeu, sabe?), e só amanhã ele vai dizer o que achou. E o juiz já leva o apito em direção da boca...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Jornalistas filhos da puta, pautas e a ameaça não cumprida de um trocadilho

"Jornalista é tudo filho da puta", disse o taxista, sem saber que os passageiros, meus amigos, eram todos justamente representantes dessa classe. "Menos jornalista esportivo, né?", o Costela tentava salvar pelo menos a reputação do seu caderno. "Principalmente jornalista esportivo", sublinhou o tiozinho, para não deixar dúvidas quanto ao seu ponto de vista. O silêncio que se seguiu não foi quebrado nem pelo contumaz agradecimento ao fim da corrida. Curiosamente, também não rolou gorjeta.

Mesmo tendo muitos periodistas no meu ciclo de amizades, concordo com o motorista -- algum engraçadinho dirá que é exatamente por isso. A minha opinião nada tem a ver com o fato da imprensa, no geral, ser tendenciosa e servir a interesses corporativos e políticos, em detrimento da verdade. (Até porque, que moral teria eu, publicitário, para falar de profissionais vendidos?) A razão por que assino em baixo da contundente declaração do chofer é outra. É que a criatividade não parece ser pré-requisito para se trabalhar com jornalismo -- aquele mesmo engraçadinho dirá que nem com publicidade. É ridícula a quantidade de reedições das mesmas matérias a que somos submetidos sistematicamente. A escassez de pautas é uma calamidade pública. Causa gastrites, causa trânsito e, o mais grave, causa um tédio do caralho.

Chega o fim do ano e eu, caminhando para o décimo aniversário da minha formatura, ainda morro de medo do vestibular. Serei forçado a ver milhões de matérias referentes ao tema, em todos os canais de televisão e na maioria dos jornais e revistas. Como um remake de "Laranja Mecânica", vou ser torturado por uma infindável sequência de depoimentos chatos de adolescentes idem, falando sobre o nervosismo que antecede o teste -- tudo num português sofrível, matéria que deveria reprovar todos. Na sequência, especialistas também não muito brilhantes darão conselhos óbvios, rigorosamente os mesmos do tempo em que eu era vestibulando. Pedem calma e tranquilidade aos jovens, e eu, já deixando de ser um deles, não consigo seguir a recomendação e quase quebro a TV.

E o recheio do sanduíche de mortadela do Mercado Municipal? Qualquer um que possua uma televisão ou já tenha passado em frente a uma vitrine das Casas Bahia sabe que ele é mais generoso que a Madre Teresa de Calcutá -- até porque há quem diga que ela nem era tão generosa assim. Não entendo a necessidade de, semanalmente, algum veículo fazer uma matéria sobre as delícias do Mercadão. Domingo desses, tá lá você folheando o recém-comprado jornal quando é surpreendido ("surpreendido" é boa) por uma página inteira sobre a atração turística, ilustrada por apetitosas fotos do sanduba ou do pastel, outro best-seller do local, famoso por conter mais bacalhau do que todo o mar da Noruega. Os clichês que recheiam esses textos têm sua tradução visual na expressão de deleite do repórter televisivo após uma mordida em um dos colesterentos acepipes. De boca cheia, ele diz não ter palavras para falar do sabor. Eu também, para descrever o meu saco, mais recheado que o sanduíche e o pastel, juntos.

Saco cheio, aliás, lembra Papai Noel, que lembra os enfeites de natal nas ruas, cuja cobertura anual pelos canais de televisão me faz voltar ao início da frase. Nas semanas que antecedem o nascimento do Menino, somos premiados por seguidas reportagens mostrando fachadas de casas e prédios comerciais, cheias de luzes e cafonice. Prefeituras, empresas e pessoas comuns não medem esforços para embelezar a cidade. Mas, não importa o quanto se esforcem, não conseguem gerar declarações originais dos cidadãos que saem de casa só para ver os adornos: "Muito lindo, né?" "Ô", respondo eu.

Tem também as matérias sobre a Antártida, figurinhas fáceis dos globos-repórteres da vida, sempre mostrando as mesmas paisagens de quilômetros de neve e tédio. Alternam-se com especiais a respeito dos mecanismos da paixão no cérebro ("como e por que nos apaixonamos") e reportagens sobre os riscos da cirurgia de redução do estômago -- como o sério risco de não conseguir mais comer feijoada. Esses, ao lado de mais meia dúzia de outros temas, ocupam toda a imprensa que não se refira às notícias propriamente ditas. As notícias, por sinal, também não fazem jus ao seu sinônimo: definitivamente, não dá para dizer que a explosão de carros-bomba na Faixa de Gaza ou escândalos de corrupção no governo são "novas". Mas da falta de originalidade da vida, tudo bem, eu isento os jornalistas.

Nesse momento, no meio de tantas vozes imaginárias, ouço protestos de jornalistas. Dizem não ter culpa se o vestibular e o natal se repetem anualmente. Eu digo que têm. Para começar, o vestibular já se mostrou um método de triagem ultrapassado, e já se propuseram inúmeras alternativas a ele, como a avaliação do histórico do aluno. Assim, se o teste continua a ser aplicado, só pode ser por influência das poderosas corporações de comunicação: sem vestibular, o que elas vão colocar no lugar das reportagens sobre o assunto, já previstas nos cronogramas de todos os anos? Quanto ao natal, certo, a culpa por ele propriamente dito não é da imprensa -- um é um pouco mais antigo que a outra --, mas os enfeites pentelhos são. Sem câmeras por perto, duvido que os moradores gastariam tanto dinheiro e tempo para decorar suas casas -- afinal, a gentalha só faz isso para aparecer na TV. Se a mídia não divulgasse essa decoração, não se formariam filas de imbecis em frente às casas e prédios, e o trânsito, já fodido nessa época do ano, seria menos ruim.

E o Mercado Municipal e a Antártida, hein, vozes de jornalistas imaginários? Vão dizer que os pingüins e os sanduíches de mortadela também requerem cobertura assídua? Se não tivesse tanto bafafá em torno do Mercadão, certamente ele não viveria tão cheio de turistas, e eu já teria ido lá -- a maioria das pessoas que me disseram já ter ido lá não mora em São Paulo. Quanto ao continente gelado, deixem os pingüins em paz. O único que conheço que gosta de aparecer na TV é o Pingolino, da Turma do Pica-Pau.

Os jornalistas imaginários não se dão por vencidos. Agora, estão me dizendo que a culpa das pautas é dos editores, não deles, meros subalternos. Alegam que, chegando ao poder, vão sugerir coisas novas. A-ham. Era o que os editores de hoje diziam, quando, como focas, arrotavam sanduíches de mortadela e pastéis de bacalhau. Vai ver, no meio do caminho, o desejo de inovar se transformou em revanchismo, e eles resolveram fazer as novas gerações passarem pelo mesmo, fazendo as mesmas reportagens nauseantes (não só pelo excesso de mortadela e bacalhau).

Junto com as novas levas de periodistas, sofrem também as novas gerações de telespectadores e leitores. E mais ainda as antigas: a tortura se intensifica ano a ano, com a repetição das mesmíssimas matérias. Agora, imaginando que o taxista do começo do texto tivesse uns sessenta, "jornalista é tudo filho da puta", vindo dele, é quase um elogio.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Correndo atrás de um sonho


Todos os dias, pessoas acordam e vão correr. Por óbvia que pareça a ordem dos verbos, no caso dele, não podiam ser conjugados nessa sequência. Horas antes do despertador tocar, já estava fazendo alongamentos. De manhãzinha, os esportistas madrugadores já o encontravam, e ele estava longe de ser um deles. Tanto que, para poder dormir mais, fazia faculdade num daqueles cursos de aprendizado durante o sono -- e talvez por isso tivesse certa dificuldade em conseguir emprego.

Como todo sonâmbulo, ele não se dava conta do que fazia durante o sono, mas tentava racionalizar as estranhas implicações diurnas de seu hábito inconsciente. Sempre acordava com os músculos doloridos, principalmente os das pernas, e imaginava que a culpa fosse daquele "colchão de merda, preciso trocar". O velho Trorion D28 parecia também ser o responsável pelos sucessivos pesadelos que o faziam acordar suado e cansado. Pesadelos tão horríveis que um mecanismo de defesa em sua mente (dia desses, leu metade de uma reportagem sobre isso na "Seleções" antes de cair no sono) devia impedi-lo de se lembrar deles. O fato de comer como um porco vindo do trabalho nas docas (vai dizer que nunca viu um porco estivador) e não engordar proporcionalmente podia ser explicado por um "metabolismo rápido" -- não que ele fizesse idéia do que fosse isso, já que sempre faltava às aulas da faculdade para correr. Já os cumprimentos e sorrisos que recebia esporadicamente de pessoas que nunca vira (sim, um sonâmbulo não é capaz de articular sentenças muito complexas, mas essa habilidade é totalmente dispensável para se fazer amizades entre praticantes de jogging e frequentadores de academias) era porque deviam confundi-lo com outra pessoa. Afinal, albinos de cabelo tingido de roxo são muito comuns.

Só não pôde entender quando, numa manhã, acordou com as pernas depiladas e cobertas de vaselina. Mas aquilo ele preferiu não entender.