terça-feira, 6 de outubro de 2009

A lua, júpiter e o céu


Fosse a camiseta uma funcionária e seu trabalho, cobri-la, seria demitida por justa causa. E não porque não fosse a pessoa – ou a camiseta – certa para o trabalho. O G duplo na etiqueta indicava: ela deveria dar conta do recado, como de fato um dia dera. Há meses, tinha passado por processo seletivo num provador, no qual o teste do espelho eliminou a concorrente, de único G. Antes que, como a de um hulk, se arrebentasse, a camiseta menor admitiu não ter a qualificação necessária e voltou humilde para a arara. Para onde voltaria em seguida a GG, se soubesse que não levaria muito para estar esgarçada e também insuficiente.

Hoje, não há camiseta que baste. Seriam necessárias todas as tendas beduínas para tapar por completo aquela saliência estomacal. Ignorando os limites impostos pelo fim do tecido, a pança não se envergonha de exibir ao mundo sua tez branca maltratada por estrias e por celulite. As seguidas ânsias que provoca em quem a vê afirmam que aquilo não pode ser coisa de Deus. Mas essas ânsias estão mal informadas. A despeito do aspecto hediondo, o acúmulo adiposo tem a mais divina das origens.

Pinturas renascentistas e outras, de rafaeis e michelângelos de praças públicas, nos falam de um Cristo esquálido, de inúmeras costelas mal cobertas por uma pele translúcida. Nas representações da crucificação, a cútis castigada por açoites, os litros de sangue vertido, por sob a coroa e em razão dos pregos, a face de sulcos profundos, em comum com a obesidade mórbida, só têm a morbidez. No mundo do rapaz, no entanto, a relação entre o Redentor e sua gordeza agravada é lógica. Não que, em Sua bondade infinita, Ele o tivesse provido com a fartura das feiras livres e açougues inteiros com que se alimentava. Nem que, através de Seus desígnios, Ele determinasse que seu metabolismo não fosse muito afeito à labuta. Jesus, isso sim, o tornara mais rechonchudo quando o salvou.

Começou quando se encontraram, no fundo do poço. Feliz em contradizer a crença segundo a qual quem habita o submundo é Seu antagonista, Jesus e a derme luminosa, de aparição, recepcionaram o jovem. O Bombeiro Galileu estendeu a mão e resgatou do buraco mais uma vítima. Apresentou-o a uma nova vida. Uma segunda chance, que envolvia orações, devoções e privações. Nada de álcool, de drogas, de sexo pré-matrimonial. Sim, a gula é pecado, dos capitais inclusive, mas perdoável se para suportar as exigências da nova jornada. Antes ceder a uma torta de morangos do que ao tecido de pêssego que cobre o sexo oposto. Enroladinho de salsicha tudo bem. Enrolar um baseado, jamais.

A lua na cara e júpiter no abdome, o moço não se incomoda com a astronomia de seu corpo, nem com a incompreensão da moda para com ela. Isso nada importa para quem está destinado à vida eterna. A possibilidade de ser levado pelo colesterol alto antes dos trinta, também não.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rapte-me, Camaleoa

A edição de 12 de setembro de 2002 representou um marco para a Folha de Macondópolis e para a cidade de mesmo nome. Pela primeira vez, as páginas do periódico traziam cores. A defasagem em relação às publicações dos grandes centros não reduziu a espécie causada entre a sociedade local, presente em peso na festa que celebrou o feito. Todo mundo que era alguém estava lá para prestigiar Vidigal Peixoto, fundador, editor e mantenedor do semanário. E para comer quantos canapés quanto possíveis, evidentemente.

Os salões do Rotary Club recendiam a canudos de carne, coxinhas e empadas de algo que lembrava vagamente palmito. Seguiam o aroma e os três garçons, que se desdobravam para servir dezenas, os membros ilustres da sociedade local, cuja preparação para o evento parecia ter incluído, além do cabeleireiro e do alfaiate, um jejum prolongado. O ímpeto com que atacavam as bandejas só diminuiu quando Vidigal Peixoto pediu a palavra. De primeiro, cessaram a comilança pelo mínimo de educação requerido, depois, por terem o apetite tirado pelo anúncio do Cidadão Kane sertanejo. Que ele falaria da impressão em cores, todos já sabiam. O que o povo não sabia, não imaginava, sequer suspeitava era o que as novas rotativas imprimiriam, e foi disso que também tratou o discurso de Vidigal Peixoto.

“Cidadãos de Macondópolis. É com um orgulho que me inunda o peito e transborda na forma de palavras incapazes de expressá-lo que eu anuncio a chegada de impressoras coloridas ao parque gráfico da Folha de Macondópolis. A partir da próxima edição, o seu periódico exalará modernidade, por meio das cores que retratarão o mundo com a mesma fidelidade que o jornalismo imparcial e ético praticado por nossa equipe. Quis o humor dos deuses da imprensa que, com a primeira edição em cores, a Folha trouxesse um furo de reportagem tão adequado. Senhores e senhoras, eu lhes apresento a mulher-camaleão.”

Foi quando abriram-se cortinas por detrás do Assis Chateaubriand do cangaço. Revelou-se uma acanhada criatura de seu metro e meio, ampliado em diversas vezes na imagem projetada às suas costas, a capa da nova edição do tablóide. Sob a manchete “Mulher-Camaleão é de Macondópolis”, via-se um close dela no exato instante em que transitava entre cores: verde passando para o amarelo, numa demonstração insuspeita de patriotismo. Na foto e no palco, a mesma expressão. Confusão e timidez e um olhar perdido em dois, nos olhos de órbitas independentes à imagem do réptil cujos poderes ela emprestava. Suas mãos repousavam uma sobre a outra, fazendo lembrar um louva-deus. Louvar a Deus, aliás, é o que faziam as senhoras de bem diante do ser mutante que lhes era apresentado. Farejando a hostilidade, a camaleoa se fez invisível aos olhares bestificados. O único indício de sua ainda presença era o braço que Vidigal lhe passava ao redor.

“Comprem a Folha de amanhã!” Antes que Vidigal Peixoto terminasse a frase, fecharam-se as cortinas, encobrindo o criador do jornal e a criatura, que se foram sem responder a nenhuma das múltiplas perguntas que, junto ao odor propalado pelos quitutes de quinta, pairavam no ar.

Marqueteiro dos melhores, Vidigal Peixoto promoveu, com sua saída enigmática, a maior vendagem já registrada pelo jornal. Todos queriam saber da história daquela pessoa-bicho. De onde viera já sabiam, mas como tinha permanecido tanto tempo despercebida numa cidade tão pequena? Com base nas suas propriedades camaleônicas, seria fácil deduzir, mas o povo de Macondópolis não queria deduzir nada. Vidigal Peixoto agradecia. Semanalmente, as tiragens se esgotavam, desvendando aos poucos os mistérios que envolviam a mulher-camaleão e, depois, inventando mais alguns. Títulos como Dailly Mirror e Notícias Populares, ao tomar conhecimento da história, compraram-na e a reproduziram. O Discovery Channel e o Programa do Ratinho mandaram equipes de reportagem à cidade, e logo a história ultrapassou suas fronteiras. Feliz como o dono da Folha de Macondópolis, ficou Caetano Veloso: sua “Rapte-me, Camaleoa” era a música mais pedida nas rádios do Brasil afora. Mas Caetano jamais daria o braço a torcer. Avesso ao jornalismo marrom, dizia não ter nada a declarar e mantinha o ar blasé quando questionado a respeito.

Avessa à badalação, a tímida camaleoa tentava esquivar-se da celebridade fazendo uso de seus talentos, mas nem eles eram o bastante para lhe restituir o sossego de antes da fama. Entregava-a a língua, que não cabia na boca. Não que falasse demais, absolutamente. A coisa era bem mais literal. Além da aptidão para a camuflagem, tinha em comum com os répteis a extensão da língua, e essa se projetava sempre que diante de uma delícia qualquer, fosse um sorvete ou uma mosca. Quando fazia isso em lugares públicos, era perseguida por fãs, por curiosos e até pelo Professor Xavier e pelo Magneto, cada um querendo recrutá-la para o seu lado da causa mutante.

Não demorou para cansar-se de tudo aquilo. Um dia, sem aviso, nunca mais foi vista, nem por Vidigal Peixoto nem por ninguém. Foi quando as coisas começaram a feder para Vidigal Peixoto. Ainda tinha compromissos e contratos com a grande mídia e, sem a mulher-camaleão, não poderia honrá-los. Com o sumiço, a prima o tinha condenado ao fracasso. Foi quando tomou a decisão. Daria ao mundo seu segredo mais bem guardado. Não ficariam indiferentes à revelação de seu longo e felpudo rabo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Serena? Estamos falando da mesma pessoa?


Durante a seminifinal do Aberto do EUA, Serena Williams ameaçou enfiar a bola na garganta de uma juíza que marcou uma pisada dela na linha. Além de ter perdido o jogo, ela foi multada em U$ 10 mil pelo destempero.

(Página Folha Corrida, Folha de S. Paulo, 20/09/09)



De um segundo para outro, o sol sumiu. Sem ter visto nada nos jornais sobre um eclipse, estranhei. A impressa certamente cobriria um evento tão incomum e importante. Ainda mais em Nova York, sobretudo durante o Aberto dos EUA – evento, se não tão incomum, tão importante quanto. Precisei de mais um segundo para saber que estava no único ponto do planeta de onde o fenômeno podia ser assistido, e que nem as maiores autoridades astronômicas poderiam prevê-lo.

Bloqueava o sol não a lua, mas um astro de primeira grandeza. Quase três metros e aproximadamente 280 quilos, Serena Williams, veio em minha direção. Tomada pelo pânico e pela surpresa, não pude divisar de pronto as feições da multicampeã. Com a fúria de um cometa de filme-catástrofe, a irmã de Venus veio declarar o meu apocalipse pessoal. Ela se aproximava e, junto, o meu fim.

Como um lúcifer, vociferava. Cuspindo labaredas, chamuscavam meus cabelos suas reclamações sobre um suposto erro. Mas, enquanto ela falava, as palavras que eu ouvia eram outras. As primeiras de meus filhos, o sim do meu marido. (Ao presenciar o fim iminente, todos contemplam o filme de suas vidas.) Entre as gentilezas da jogadora, soube depois, estava a oferta de uma bola pela minha goela abaixo. Só não aceitei porque, como disse, não ouvi. Não haveria nada com que eu não concordasse, posto daquele modo tão amável.

Passado o apuro, fui para casa. Lá, não tinha ideia do que fazer para o jantar. Enquanto pensava, liguei a TV. No noticiário, os detalhes e as palavras que tinham me escapado. Aí, Serena me ajudou a decidir o cardápio da noite.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O toque do Nokia

Escorpiões e aranhas têm capacidade de incomodar inversamente proporcional às suas dimensões. Meu celular, mesmo sem ser letal como os seres peçonhentos, também. O toque baixo do seu despertador remete à ação do aracnídeos na sutileza, mas difere no efeito. Ao lado da minha cabeça, o Nokia me coloca de pé. À mesma distância, tais bichos escrotos teriam me posto na terra dos pés juntos.

Sorrio, agradecido por ser apenas um telefone. Ponho fim à minha inércia, feliz por ainda poder fazê-lo. Afasto ainda mais as cobertas, já postas de lado no decorrer da noite quente, que as fez desnecessárias. Depois do que desceu a cama, o próximo passo seria lavar o rosto e assentar o desgrenho dos cabelos. Os outros seriam dados na esteira da academia, naquele caminhar sem rumo de todos os dias tão semelhante à vida.

Deixo de imitar a cobaia de laboratório e me ponho à musculação. “Até que não é tão ruim assim”. Os resmungos mal contidos que seguem as repetições dos exercícios são o meu detector de mentiras pessoal. “Endireita o corpo, estica o braço até o final”. O instrutor instrui e eu, encabulado, me corrijo. Não por muito. Mal ele dá as costas, eu volto a trapacear. Novamente, penso que a academia e a vida coincidem. São ambas chatas, repetitivas e sem sentido, mas é melhor freqüentar.

O banho limpa o legado dos exercícios, dando lugar a outro gênero de suor e sofrimento, entregues na mesa com os pedidos de campanha. Entre as torturas, no entanto, uma brecha para a felicidade. O sorriso da moça da lanchonete denuncia minha assiduidade. O pedido, separado antes de feito, também. De tamanho próximo ao de celulares e bichos peçonhentos, os pães de queijo redimem os diminutos. Redimem também a vida. Uma existência com gosto de polvilho não pode ser de todo má.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A morte tem dessas coisas



No cinema, eu lembrava o que a crítica dissera sobre o filme. Estava sozinho como a única estrela concedida na avaliação, responsável pela recusa geral aos meus convites. “Dizem que é um dos piores filmes já feitos, e mesmo assim você quer ver?” Amigos e namorada, meras caixas de ressonância dessa grande fábrica de papel de enrolar peixe. “Boa sorte”. Sim, sorte minha e azar o deles.

Aliás, azar de todos. A certeza de que presenciaria um clássico era minha única companhia naquela sessão. Ela e o suave cantarolar do projetor, perfeitamente audível na sala vazia. Logo, ao agradável canto, juntaram-se notas mais estridentes, vindas das gargantas de sopranos de ocasião, jovens indefesas, vitimadas pela rebeldia de quem não aceita a suposta ordem natural da vida. Mortos, recusavam-se a morrer e insistiam em se multiplicar, com indóceis e incessantes mordidas. Aqueles insurgentes tinham a minha simpatia. Desde pequeno, militava no seu partido, convencido pelo manifesto de Romero e Argento, muito mais sedutor para mim do que o de Marx e Engels.

Como as comunistas, essas fileiras também eram vermelhas, cor onipresente nas produções do gênero. O catchup, por mais evidente, para mim sempre era sangue. Filme de zumbi, eu sempre levei a sério. E os amigos – ah, esse gênero de desertores –-,viam nisso brecha para a pilheria. Incapazes de entender minha paixão pelo alimento dos vermes e dos insetos, riam dela. É só o que sabem fazer essas hienas. Era até melhor que não estivessem ali, com seus comentários dispensáveis. O coral de berros era tudo o que eu precisava ouvir. Em reverência, permaneci em completo silêncio até o “the end”.

Então, ainda em reverência, levantei-me e aplaudi. Foi quando ouvi um balbuciar, vindo da fileira de atrás. “Obllliga...” Mesmo com a omissão da última sílaba, presumi um agradecimento. Nó abaixo do queixo, virei para confirmar minhas expectativas. Um genuíno defunto andante? Um sujeito fantasiado? Enfartado, meu coração parou. Para ele, não importava. Como eu, sempre levou a sério os filmes de zumbi.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Quem vai ficar com Morrissey? (trecho)

(Acabo de terminar o 5º capítulo. Como diria o Morrissey, "it's a miracle I even made it this far". Comemorando o tal milagre, mais um trecho, extraído desse próprio capítulo. Achou vago? Opa, é essa a intenção.)

A espera telefônica, na qual se ouvia a programação da Antena 1, emputeceu Fernando mais ainda. Mais ainda por ter de ouvi-la por seis minutos, e não um, como lhe prometera a inexpressiva voz do outro lado. Air Supply e Luiz Miguel, desde sempre insuportáveis, nunca foram tanto. Tinha certeza de que Peçanha antevia essa reação e, por isso, prolongava o seu tempo ali, no equivalente auditivo à ante-sala do inferno. Fernando até conseguia vê-lo cortar os pelos do nariz com uma daquelas tesourinhas, cuidadosa e demoradamente, deliciando-se com o insistente tocar do seu ramal. Quando finalmente terminou seu pequeno trato de higiene pessoal – na verdade, cortava as unhas – atendeu.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Quem vai ficar com Morrissey? (trecho)

(Hoje é meu aniversário, mas quem ganha o presente é você. Trechinho que acabo de escrever, inspirado nas minhas bodas -- uma das palavras preferidas do Lucas Celebridade. Se não gostar, não me conte. Ou espere até amanhã.)

Adormeceu pensando ser o garotinho que passara as quase três horas do filme de Bertolucci dormindo. Sentiu-se terrivelmente velho ao acordar. Os 30 anos biológicos, acrescidos do desgaste emocional e do alcoólico, valiam por 80, pelo menos. Ancião, desceu da cama com dificuldade, tendo de segurar-se na prateleira sobre ela para não se estatelar. Com custo, arrastou-se até banheiro. A força levada pela juventude, não foi fácil abrir a torneira do chuveiro. Remoçado 30 anos pelo banho, pensou em tomar mais um. Desistiu. Muito tempo sob a água enrugaria sua pele e o faria voltar as casas que avançara no jogo da vida. Durante o dia, talvez conseguisse atingir a casa dos 30, se não, usaria a sabedoria dos 50 para entender o que se passava.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Quem vai ficar com Morrissey? (trecho especial)


(Não pretendia postar mais um trecho tão cedo, mas, devido à morte de John Hughes, diretor de "Curtindo A Vida Adoidado", decidi mudar meus planos. Uma pequena homenagem ao responsável por este e outros filmes muito importantes na minha infância: "Mulher Nota 1000" e "Clube dos Cinco".)

Pense num típico adolescente dos anos 1980. Digamos que o icônico Ferris Bueller simbolize bem os púberes daquela década. Pense no protagonista de “Curtindo A Vida Adoidado” pegando seu telefone transparente de teclas – “descolado” hoje, “transado” na época. Agora, imagine-o ligando para uma rádio e pedindo uma música que fala de “pessoas que se sentem tão sozinhas que só querem morrer” e dos monstros insensíveis que riem delas. Pouco provável? Quem sabe, se a canção tivesse uma melodia dançante, ele pudesse ignorar a letra e concentrar-se em testar os limites da flexibilidade das calças semi-bag – o que, aliás, não exigiria grande concentração. Mas, supondo que a repetição contínua de “chute-os quando caírem” não fosse suficiente para enfatizar a humilhação dos pobres-diabos, a atmosfera das guitarras em fade out hipnotizaria o ouvinte e daria conta do recado. Não exatamente o tipo de coisa em que alguém que canta num carro alegórico gosta de pensar, certo? Se ligasse para uma rádio, Ferris preferiria pedir “Twist and Shout”. Estava longe de ser um lançamento, mas também estava longe de fazer pensar, sobre gente infeliz ou sobre qualquer coisa.

Em 1985, essa conjectura, a qual chamaremos “Conjectura Ferris Bueller”, não deve ter ocorrido aos executivos da gravadora londrina Rough Trade. Compreensível, o filme seria lançado apenas no ano seguinte. Só isso explica a crença de que “That Joke Isn’t Funny Anymore” seria um bom single. Nas filas que se formavam em frente às lojas a cada lançamento de um compacto, dos Smiths ou de qualquer grupo badalado, sem dúvida haveria “chutados”, mas não em número para fazer um disquinho como aquele alcançar uma posição sequer razoável nas paradas britânicas. Foi o segundo maior fracasso entre os singles lançados pela banda de Morrissey e Marr.

Seis anos depois, “Curtindo A Vida...” já era o favorito de legiões moleques, incansáveis espectadores de suas reprises. Fernando era um desses legionários, para quem Ferris Bueller representava, mais que um personagem, um modelo. Inspirados nele, milhões de garotos por todo o mundo empenhavam-se na cabulada de aula perfeita. Muitas vezes, até conseguiam simular uma dor de barriga, mas não eram deixados em paz pelas mães, preocupadas ou desconfiadas. Nos casos em que, como os do ídolo, os pais iam trabalhar e os deixavam sozinhos em casa, os meninos tentavam seguir fielmente os passos do mestre. Cantavam no chuveiro e, com a ajuda do xampu, faziam penteados moicanos. Depois, dançavam alegremente enquanto se vestiam. O problema era a parte de ligar para o melhor amigo tímido, cujo pai deveria ter uma Ferrari na garagem. Apenas 0,03% dos fãs tinham um camarada que se encaixasse nesse perfil. (Desses 0,03%, apenas 5% conseguiam convencer o amigo a sair com o conversível. Desses 5%, 98% se contentavam com uma volta no quarteirão a 20 km/h, e os 2% mais ousados, que se aventuravam pela cidade, acabavam pegos pela polícia, e essa, antes de chamar os pais, se divertia muito dando-lhes um susto.) 99,97% se davam por satisfeitos passando o dia em casa a ler gibis, jogar vídeo game e assistir à Sessão da Tarde. Com sorte, poderiam até pegar uma das reprises do seu filme preferido.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Quem vai ficar com Morrissey? (trecho)

No cinema do teto do quarto, estava em cartaz um filme que ele já tinha visto inúmeras vezes: o da sua vida. Toda vez que o assistia, se decepcionava. Quem tinha escalado aquele canastrão para o papel principal? Atuação equivocada, cheia de excessos. Mas ele não era o único responsável. Sem uma direção adequada, fica difícil. Culpa do diretor, então? Erro mesmo talvez tenha sido concentrar as duas funções numa mesma pessoa, principalmente quando essa pessoa não se chama Clint Eastwood. A crítica e a auto-crítica massacravam a película, Fernando se abatia. Muitas vezes, pensava em suspender a produção, outras, mostrava uma obstinação de Francis Ford Coppolla durante as filmagens de “Apocalypse Now”. Como o diretor de “O Poderoso Chefão”, dizia para si mesmo que, daquele aparente absurdo ególatra, no fim resultaria um grande clássico.

(Eu disse que não postaria mais trechos. Sou um homem sem palavra.)

domingo, 12 de julho de 2009

Quem vai ficar com Morrissey? (trecho)


Pegou o metrô, pegou o ônibus e, por fim, pegou fôlego para ir andando, num passo apertado, o resto do caminho até sua casa. Impaciente para ouvir o disco, só não correu por medo de deixá-lo cair. Quando chegou em casa, sentou-se no sofá para recuperar as energias e, principalmente, para contemplar a capa do LP, o seu primeiro dos Smiths. Por ansioso que estivesse, não podia pular essa etapa do ritual. O amor pela música, aprendera instintivamente, não se resume à consumação do ato.

Curiosa aquela capa. No lugar dos músicos, um bando de carinhas vestidos como nos anos 1950 olhando para algo que a gente não sabia o que era. Ah, mas quando se virava o álbum, você descobria. Numa outra foto, que parecia completar aquela, estavam as meninas que os garotos paqueravam. Fernando nem tinha ouvido o disco e já o achava incrível.

(Como responsabilizei o livro pela ausência de novos posts, achei que deveria postar um trechinho dele. Mas esteja avisado: não pretendo fazer disso um hábito.)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A gatinha tem programa para amanhã?


Hoje é festa na floresta. Amanhã, vai ser na Livraria da Esquina.

O Morfina, site que, de certa forma, deu origem a este blog, acabou. Isso você já sabe. Quer dizer, acho que sabe. O que você não sabe, quer dizer, acho que não sabe, é que publicamos uma coletânea com textos postados nos cinco anos do site. Era para ser só com os melhores textos, mas, inexplicavemente, tem dois meus lá.

Amanhã, acontece o lançamento, num lugar bacaninha, a Livraria da Esquina. Pode ir sem medo. Apesar do nome do estabelecimento, não será uma vernissage. Vai ser festa mesmo. Os colaboradores do extinto Morfs (como, carinhosamente, a gente o chamava) vão fazer uma jam session e o Barizon, que também escrevia no site, vai discotecar. O valor da entrada (R$ 25,00, R$ 20,00 com nome na lista) dá direito a um exemplar autografado desse maravilhoso compêndio.

Sim, tudo isso consta no convite acima. Na verdade, o texto poderia se resumir a um "aparece lá", mas eu sou prolixo, você sabe. Quer dizer, acho que sabe.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Fuga de Nova York ou Queria Ser Cobra Plissken


(Como disse no post anterior, a seca tá brava. Por isso, resolvi postar aqui alguns textos escritos originalmente para o Resenha em 6, caso da pequena critica sobre “A Mulher Invisível”. Para não ser 100% picareta, aqui você verá versões ampliadas, com uma ou duas palavrinhas a mais. Já é alguma coisa, não?)

Em 1997 (leia-se “o futuro”), Manhatan foi transformada num presídio. De segurança máxima, mas não para quem está lá. O avião presidencial cai na ilha, e agora o manda-chuva está nas mãos da pior escumalha. Resgatá-lo é um trabalho sujo, mas Cobra Plinssken (Kurt Russel) também é. Com cápsulas explosivas correndo em seu sangue, o criminoso de guerra tem 24 horas para trazer o presidente de volta, antes de ir pelos ares. Filme B classe A, do mestre John Carpenter. Um dos meus preferidos desde a primeira vez que o vi, quando 1997 era de fato o futuro. Queria ser o Cobra Plissken.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Contas a prestar

É prática recorrente entre blogueiros (pior que a expressão, só saber que ela serve para descrever você) comunicar-se com os leitores em seus posts, prestando contas de sua produção. Explicam o porquê de escreverem o que escrevem ou a razão de não escreverem tanto quanto costumavam. Eu nunca fiz isso, até porque não imaginava que houvesse para quem eu prestar satisfações desse tipo.

Esses dias, quem diria, descobri que minha modéstia era um pouco falsa. Algumas mensagens chegaram me perguntando o porquê da atual escassez de textos, pedindo para eu escrever. De modos que sinto-me obrigado a (arrá!) prestar contas da minha produção.

Pois bem, não tenho dado o ar da minha pouca graça aqui com muita freqüência por alguns motivos, que, basicamente, podem ser resumidos como “falta de inspiração”. Não sei se você já ouviu falar, mas é um negócio terrível. Então, se for para escrever qualquer bobagem (como, admito, já fiz), prefiro não escrever. É mais honesto comigo e com vocês.

Em tempos de escassez criativa, procuro usar a minha pouca para fins profissionais – nos quais, aliás, essa seca também se reflete. Os lampejos que não esgoto assim, redireciono para um outro projeto, que talvez interesse a você (e ajude a aliviar minha barra). Estou escrevendo um livro. Sim, um livro. Uma pequena e pretensiosa tentativa de me eternizar em celulose – como Morrissey queria em celulóide.

E é justamente o ex-vocalista dos Smiths o tema do livro. Quer dizer, não ele exatamente, mas a relação de um sujeito com ele e sua música e a música de um modo geral. Um troço meio autobiográfico, admito. Tem sido terapêutico e, lógico, muito divertido. Isso tem ocupado boa parte do tempo e da criatividade que, normalmente, eu destinaria para este blog.

Mas prometo: vou aparecer aqui com mais freqüência. Nem que seja para prestar contas. Agora, sei que preciso.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A segunda segundo o shuffle

Na dúvida do que ouvir a caminho do trabalho, deixei a escolha da trilha sonora por conta do iPod. Rapaz, esse tal de shuffle sabe das coisas.

1) "Blood of The Lamb" – Billy Bragg & Wilco: Nada como um banho em sangue de ovelha para começar a segunda.
2) "DVNO" – Justice: Ao contrário da segunda-feira, o Justice sempre anima.
3) "Departure from Cairo" – Digitalism: Vinheta com o mesmo tempo que a segunda deveria ter: menos de um minuto.
4) "Reel Around The Fountain" – The Smiths: O pior dia da semana é o melhor para ouvir sua música preferida.
5) "Here No More" – The Breeders: Calma como o trânsito deveria ser. E hoje, pelo menos, foi.
6) "La Ferrassie" – Tokyo Police Club: O trânsito se manteve calmo. A seleção do shuffle, também.
7) "Ice-Pulse" – Cocteau Twins: Nada mais (des)apropriado do que Cocteau Twins em plena Hélio Peregrino.
8) "Ziggy Stardust" – David Bowie: Cheguei ao estacionamento antes do fim da música. Pena.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

In shuffle we trust

Manhã ensolarada, set list do shuffle, nem tanto. No caminho para o trabalho, teve “Chove Chuva”, além de “Just Like Honey”, do Jesus, sempre nublado. Mesmo assim, a sabedoria aleatória do iPod não decepcionou.

“The More You Ignore Me The Closer I Get” – Morrissey
“Marlon J.D.” – Manic Street Preachers
“O Canto de Ossanha” – Vinícius de Moraes
“Chove Chuva” – Jorge Ben
“Satan Is My Motor” – Cake
“Just Like Honey” – Jesus And The Mary Chain
“Aja” – Steely Dan

terça-feira, 19 de maio de 2009

A mulher é invisível, já os clichês...

(Amanhã no Resenha em 6)

Selton Mello apaixona-se por uma mulher linda, maravilhosa, perfeita... Que, obviamente, é fruto da sua imaginação. Imaginação, aliás, que faltou a Cláudio Torres, diretor e roteirista. Quando você pensa que o estoque de clichês se esgotou, é surpreendido (?) por mais um. Fusão de “Clube da Luta” com “O Amor é Cego”, mas sem as qualidades dos pais. Pelo menos a Luana Piovani está gostosíssima. Pronto, mais um lugar-comum.

Negócios

Todo dia eu vendo minha alma. E a cada dia ela vale menos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Fat ass

Ele disse que, até o fim da semana, tiraria seu rabo daqui. Pelo tamanho do rabo, duvido.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Reencontro com Danny Boyle



Vindo do Rudge Ramos, o Transbus me deixou em frente ao Shopping São Caetano. Como é até hoje, quarta-feira o cinema cobrava meia, que a carteirinha de estudante, naquela época legítima, convertia a ¼ de entrada. Para quem não tinha nem estágio, aquela economia valia bem mais do que as duas aulas cabuladas para aproveitar a promoção. Uma crítica positiva do Diário do Grande ABC tinha chamado a minha atenção para o filme do diretor desconhecido, mas o que o referendava mesmo era o nome. Para um fã de fitas de terror como eu, “Cova Rasa” só podia ser excelente.

O título não era propaganda enganosa. Saí da sessão feliz, ansioso pelo próximo filme do novato Danny Boyle, de quem àquela altura já era fã. Ficaria ainda mais quando a minha espera terminasse dois anos depois, muito bem recompensada. “Trainspotting” recebeu da imprensa especializada elogios mais entusiasmados do que os feitos à “Cova”, e, de fato, era um filme superior, mesmo sem ter um nome tão bacana. Não fui o primeiro a chamá-lo de “o filme da minha geração”, mas, com uma definição tão precisa, para que procurar outras? Em 12 anos, devo ter assistido mais ou menos o mesmo número de vezes.

Nessa mais de década em que tanto revi “Trainspotting”, Boyle lançou uma série de títulos de vários gêneros, que, embora bastante diferentes entre si, têm em comum a estranheza. Vi quase todos e, dos que vi, gostei de todos. “A Ilha”, com Leonardo Di Caprio vivendo delírios de vídeo game, “Extermínio” reinventando os filmes de zumbi – até demais na opinião de um amigo meu, que não vê sentido em zumbis rápidos e superfortes, afinal, estão em decomposição. Em “Caiu do Céu”, o diretor retorna ao tema “achei uma mala de grana que não me pertence, e agora?”, ilustrado com diálogos bizarros de um garotinho com os santos católicos representantes de seus questionamentos morais. Mas, mesmo com uma produção respeitável, parecia que Danny Boyle já tinha nos dado que o tinha de melhor. Talvez isso seja verdade, mas “Quem Quer Ser Um Milionário?” é um esforço válido para retomar a forma de antes.

Fui ver sexta-feira. Como há 14 anos, quando assisti a "Cova Rasa", fui ao cinema sozinho. Esse, aliás, é um dos únicos pontos que unem a sessão de hoje àquela, dos tempos de faculdade. Não sou tão duro quanto na época – mas, ainda assim, engasguei ao pagar os absurdos 15 reais –, e o então iniciante hoje tem 8 Oscar dividindo espaço com os retratos de família na estante. (É, o Danny Boyle se deu ligeiramente melhor do que eu.) Dessa vez, as críticas não eram tão boas – não que eu tenha visto a do Diário do Grande ABC –, nem o título era tão instigante – nenhuma insinuação de assassinato à vista. Alguns amigos, no entanto, elogiaram o filme. Isso, somado à minha simpatia pelo cineasta, bastou para que eu pagasse o ingresso. E aí a segunda semelhança com a sessão de há 14 anos: saí do cinema sorrindo.

Mas os tempos são outros, sem dúvida. Se em 1995 meu sorriso foi motivado pela ironia mórbida de um filme surpreendente, a causa do de hoje foi o alto astral de uma fita que também superou minhas expectativas. Conhecendo a filmografia de Boyle, esperava uma fita bacana, porém, tendo lido reviews que a caracterizaram como uma cópia de “Cidade de Deus”, entre outras coisas, não tinha esperança que fosse mais que isso. O diretor não nega a influência de Fernando Meirelles – até porque, se negasse, seria muita cara de pau –, mas isso, em nenhum momento, diminui os seus méritos. A narrativa, que mostra o garoto semi-iletrado contando a origem das respostas para as perguntas do quiz show que dá nome ao filme, é muito bem estruturada. À cada explicação, somos levados ao seu passado de merda (se você assistiu, entendeu que o trocadilho era irresistível), e presenciamos episódios de sua batalha pela sobrevivência em Mumbai. Descobrimos que o rapaz é mais um formando da escola da vida, graduado com louvor e milhões de rúpias. Excelentes direção de atores e fotografia – em cujos créditos o César Charlone merecia estar, claro. Até o final, com coreografia canastrona à la Bollywood, de que muito se falou mal, me agradou. Desnecessário? Não na medida em que acrescenta ao filme um toque de bizarrice, item tão comum aos filmes de Boyle.

Aliás, bem que poderiam aparecer algumas centenas de bailarinos indianos agora. Não faço ideia de como terminar esse texto.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Sábado de manhã

Quando soube da lei que permite bloquear as ligações de telemarketing, pensou em se cadastrar. Mas logo desistiu. Se fizesse aquilo, o telefone não tocaria mais.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

This night has opened my eyes (and ears)

Até hoje não tinha sabia por que minha televisão e minha aparelhagem de som custaram tão caro. Agora, depois que meu amigo nerd (se você não tem um, eu aconselho) veio à minha casa e instalou corretamente o equipamento, tudo fez sentido. Mesmo assim, não me iludo: sei que não terei respostas para todas as minhas dúvidas existenciais.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Alô, criançada

Saindo da academia, tentei atravessar a rua, apesar do sinal fechado. Gentilmente, uma motorista parou. Depois, baixou o vidro e disse: “Malhadinho eu deixo passar.”

Olhei minha barriga e cheguei à conclusão: o “malhadinho” devia ser uma referência à corrida de cavalos do Papai Papudo, que eu não consegui entender.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Thom Yorke, camisa 10


Você pode até ir ao estádio sozinho, mas só estará sozinho até o seu time fazer um gol. Esse momento promove os estranhos ao seu redor a amigos íntimos, com direito a abraços fraternais que muitos irmãos não se dão.

A platéia do Radiohead ontem era, em grande parte, formada por pessoas que só se aproximam de um estádio se nele for realizado algum show. Nunca viram um jogo sozinhos, e, ainda assim, sabem exatamente do que estou falando. Podem não saber que sabem, mas sabem.

Ainda no começo do concerto, me despedi da turma com quem estava e, sozinho, me lancei na improvável missão de encontrar duas amigas do outro lado do enlameado gramado da Chácara do Jóquei. Cerca de 500 metros, multiplicados pelo número de obstáculos (pessoas) que tive que transpor para atravessá-los. Um show tão aguardado, de uma das minhas bandas preferidas, e eu lá, longe dos amigos, dos que me separei e das que buscava. Sozinho. Foi então que o Radiohead fez um gol.

“Karma Police” me transportou a 1997, quando eu ainda estava na faculdade e as pessoas ainda compravam discos. Pelas vozes em uníssono, eu não era o único dali que tinha comprado “OK Computer”. Estranhas e estranhos (em alguns casos, bem estranhos) compartilharam comigo a emoção de ouvir pela primeira vez ao vivo melodias que o CD player e, agora, o iPod não se cansam de executar. Uma espécie de comemoração, que, como a do gol, também me fez ficar rouco.

Se houvesse entre os 30 mil presentes alguém que não fosse Radiohead Esporte Clube, o futebol vistoso apresentado na goleada – “Karma Police” foi só um gol de muitos – rapidamente o converteria. E, se soubesse que é assim que se sente quando seu time faz um gol, certamente esse pessoal começaria a ir a estádios com mais freqüência.

sexta-feira, 20 de março de 2009

7x7

Seus dias eram uma sucessão de desesperadas tentativas de não ser patético. A maioria, tentativas frustradas.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Sitcom

- Olha essas maçãs, todas amassadas! E essa alface? Que coisa horrorosa! Não sei por que pedi para você fazer a feira...
- É, devia saber que alguém que casou com você não sabe escolher.

A sonoplastia deve ter falhado, porque não vieram risos em seguida.

segunda-feira, 2 de março de 2009

God only knows

Casal jovem, subempregado – ele constrói piscinas e ela é faxineira –, mora com as duas filhas pequenas num trailer estacionado no quintal da mãe dela. São pobres, muito pobres, mas felizes. Eis que, um não tão belo dia, suspeitando estar novamente grávida, ela vai fazer exames. O resultado não poderia ser mais negativo: um tumor inoperável lhe deixa apenas dois meses de vida restantes. Ela não se desespera. Abnegada, faz uma lista de providências para que sua família tenha uma boa vida sem ela – arranjar uma nova esposa para o marido, por exemplo. Abnegada mas nem tanto, resolve também ter experiências que a precocidade roubou dela, como beber e fumar irresponsavelmente e, sim, se apaixonar por outro homem.

Ao contrário do que parece, “Minha vida sem mim” (título que resume bem o filme) não é um dramalhão brega. Produção independente, o filme é recheado de detalhes cool, como o fato da protagonista ter conhecido o marido no último show do Nirvana, cantar para ele “God Only Knows”, a cabeleireira fanática por Milli Vanilli e, olha lá, a Debbie Harry (Blondie) no papel da mãe da coitadinha. Mas, mesmo não sendo tão dramalhão assim, é um drama. É triste paca.

Agora, as perguntas: por que esse filme estava passando no Telecine Light, um canal supostamente dedicado a filmes água com açúcar? Por que na manhã de um domingo ensolarado? E por que eu, que já tinha assistido, não mudei de canal?

Bandeira 2

O passageiro bêbado olhou o taxímetro e resmungou: 25,00 era caro demais.

O taxista disse que, considerando que o passageiro bêbado não arriscara a vida dirigindo, era uma pechincha.

O passageiro bêbado pensou que o taxista estava por fora do valor da sua vida.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Chiaroscuro

Sensação parecida com a que tinha quando, na infância, acabava a luz em casa à noite. Sem poder ver televisão, jogar vídeo game ou mesmo ler gibis – segundo a mãe, com a fraca luz das velas, podiam-lhe fazer mal às vistas –, ele era tomado pela impaciência e pela inquietação. Mas elas, naquele tempo, logo eram vencidas pelo sono, e esse só acabava quando a luz estava restabelecida, inclusive no céu. Isso foi noutro tempo. Neste, o sono parecia ter adquirido o sádico prazer de vê-lo torturado pelas elucubrações que sempre surgem junto com a escuridão. Prazer que, depois de intermináveis horas, parecia estar satisfeito. Finalmente, podia dormir. Mas, novamente contrariando o antigo script, a luz chegou junto com o sono.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Smile like you mean it

Olhou para o que havia acabado de digitar e se esforçou para acreditar naquilo. Se aqueles caracteres careciam de alguma expressão, ela precisava de muito mais. Tinha que se demonstrar bem, senso de humor intacto, esperança na vida inabalável e, para a nobre missão, designara o ícone. Sem a devida claque, as banalidades e gracejos do e-mail poderiam ser tomados como o riso nervoso de uma pessoa patética, desesperada para se provar bem. Por outro lado, só alguém assim para crer que dois pontos, um hífen e um parêntese seriam capazes de mascarar as reais intenções daquele texto. Desesperada, mas querendo evitar o patético, buscou no teclado alguma coisa que pudesse salvar o texto. E lá estava o “delete”.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Como dizia Winston Churchill


“Você tem Orkut?” Não sem certa vergonha, respondo que sim. Ou melhor, respondia. Não que eu não tenha mais Orkut. O que eu não tenho mais é vergonha de ter. Que é um negócio brega, sem muita utilidade a não ser a óbvia de se expor – isso é uma utilidade? – todo mundo concorda. Mas, todo mundo, ou quase todo mundo, tem. No Brasil, pelo menos. No exterior, o site de relacionamento da Google não pegou como aqui. O povo de “fora”, pelo que sei, prefere similares, como o My Space e o Facebook – no qual eu também tenho um perfil, ainda sem saber muito bem porquê.

A verdade é que, nesses anos todos, o Orkut não me serviu de nada. Sim, reencontrei algumas pessoas que não via há muito, mas, embora as tenha “encontrado”, continuo sem vê-las pessoalmente, e nosso contato não passa da troca de alguns recados, isso quando há. Agora, volte à primeira frase desse parágrafo e acrescente um “quase” entre o “serviu de” e o “nada”. O maior serviço que a famigerada página azul me prestou foi o contato com uma frase atribuída a Winston Churchill que vi no perfil da amiga de um amigo – uma semi-conhecida, como a imensa maioria no meu Orkut e no de qualquer um. Embora soubesse vários ditos do ex-primeiro ministro britânico, não conhecia aquelas palavras que a menina emprestou para definir-se: “Nunca é tarde para você ser o que poderia ter sido.” Se é do Churchill ou não eu não sei – pode ser mais um caso de “Arnaldo Jabor” ou “Luís Fernando Veríssimo”, em que, para conferir credibilidade a um texto fuleiro, se atribui sua autoria a um cara fodão. Mas, sendo dele ou do cara que escreve o horóscopo, é uma puta frase.

Quando a li, a tal puta frase ficou grudada na minha cabeça. Virou mais uma daquelas que, de tanto eu falar, meus pobres amigos completam mal eu tenha começado. (Só não digo a eles, obviamente, que li no Orkut.) É, principalmente, uma frase que repito a mim mesmo constantemente, sempre que me deparo com a frustração de não ter atingido meus objetivos no tempo a que me propus. Um mantra para que, a cada dia, eu tente realizar os planos guardados naquela gaveta cheia de revistas Ele e Ela dos anos 90 que o meu irmão comprou em algum sebo.

Mas, mesmo que nunca seja tarde, uma hora vai ser. Pergunte ao cara que escreveu aquela poesia “queria ter tomado mais sorvete, ter andado mais descalço, etc.” (Não, meu caro, não foi o Jorge Luis Borges.) Então, antes de me identificar com o texto tão difundido em e-mails, powerpoints e – sim, como não – em perfis de Orkut, resolvi, enfim, “ser o que poderia ter sido”. Resolvi resgatar meu talento para desenhar.

Desde sempre, quem entrava na minha casa se deparava comigo e meu irmão deitados no chão da sala cercados de lápis e papeis. Cena comum em qualquer família bem estruturada, eu sei. Mas eu e o Rogério levávamos mais jeito para a coisa que a média. Até sonhávamos ser profissionais. Passou o tempo, e nos tornamos profissionais, mas de outras áreas: meu irmão virou advogado, eu, publicitário. O desenho foi parar em baixo da Miss Setembro 92, de onde, com o incentivo de alguns amigos, me decidi a tirá-lo.

Ontem, comecei outro blog, onde publicarei meus desenhos, novos e antigos. Ao fazê-los, empunhando um lápis antes mesmo de saber escrever, criei um calo no dedo médio da mão direita. Daí, o nome da página: “A razão do meu calo”. Com ele, pretendo me obrigar a desenhar com mais freqüência – tal como este blog cobra que eu escreva. Até já comprei um caderno de folhas em branco e canetas e lápis específicos.

Se vou mudar de carreira, sendo finalmente o desenhista que meu ego infantil queria, não sei. Dificilmente. Opa, peraí que o Mr. Churchill tá me dizendo que não é bem assim.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Seca

Declarou-se estado de calamidade. Não pública, que o meu cérebro é particular. A massa cinzenta nunca esteve tanto. As cores deram lugar à estiagem sertaneja, que faz árido meu solo cerebral, repleto de esqueletos criativos, mortos de fome e de sede. Os lampejos remanescentes, os mais resistentes, acotovelam-se no pau-de-arara, provavelmente o último. Buscam outro córtex, onde possam ter futuro. Lamentam deixar o lugar onde nasceram, mas sabem que é o único jeito. Quem sabe, no futuro, quando as coisas por aqui melhorarem, eles voltam. Mas nada indica que algo vá melhorar. Mortificado, o cenário da minha cabeça é desolador.

(Falta de inspiração? Não: reforma ortográfica. Não sei ter idéias sem acento.)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O silêncio


Na rua do meu trabalho, há um restaurante “indiano”. Aspas porque o menu tem coisas que dificilmente fazem parte da cozinha tradicional do pais de Gandhi, como tacos mexicanos, almôndegas e lasanhas – todos preparados com substitutos da carne. O que caracteriza esse restaurante como “indiano”, além do fato de não utilizar como ingrediente o animal sagrado daquela nação, é a decoração e as roupas do staff. Nas paredes, elefantes de múltiplos braços e crianças azuis, remetendo a divindades; nos garçons, saiotes, que os desencorajam a sair do restaurante durante o expediente.

Frequentador ocasional do estabelecimento, além de já ter provado quase todo o cardápio pouco hindu, pude atentar a detalhes que passam despercebidos à primeira visita. Se, de cara, você percebe que a tiazinha do caixa, provavelmente dona do lugar, não é de falar muito, talvez não note um pequeno papel colado ao lado das máquinas de cartão de crédito. A frase escrita nele talvez ajude a justificar o comportamento lacônico da senhora atrás do balcão: “Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que teu silêncio.”

Quando, por volta da 13ª ou 14ª vez que almocei lá, vi o tal provérbio (sim, hindu), fiquei sem palavras. Sem trocadilhos, juro. Falador compulsivo e assumido, levei o pensamento comigo. Não o coloquei em prática na hora, nem o adotei como uma máxima de vida – umas pessoas bebem, outras fumam, eu falo – mas o levei comigo. Levei inclusive para a praia, onde passei a última semana: olhando o mar, fiquei calado durante inacreditáveis 15 minutos umas três ou quatro vezes.

Sempre admirei o Portishead por saber o valor do silêncio. Versão trip-hop de J.D. Salinger, sumido após “O Apanhador no Campo de Centeio”, eles gravaram dois discos – um genial, outro ótimo – e só. Mais de 10 anos se passaram sem noticia de novo álbum. A ansiedade pelo terceiro CD aumentava e, com ela, o culto pelo grupo. Gênios. Ano passado, eles anunciaram o fim do jejum sonoro. Se o silêncio vale ouro, o lançamento do Portishead seria pelo menos disco de platina.

Com o disco, vieram as criticas. Ao contrário do grupo de Bristol, os críticos falam muito e, muitas vezes, falam demais. Por isso, não acreditei nas primeiras resenhas sobre “Third”. Por via das dúvidas, hesitei para baixar o álbum. Não queria confirmar meus temores de que elas estivessem certas. Hoje, tomei coragem e baixei o disco. Se a banda traísse minhas expectativas, não queria ser o último a saber.

Antes permanecesse na ignorância. “Third” é tão chato que não consegui ouvir até o final. Não vou tecer análises técnicas nem estéticas, dizer que o trip-hop é um estilo datado (até porque vi um show do Massive Attack e gostei deveras), etc. Limito-me a dizer o que já disse: o disco é chato.

Sem dúvida, a turma do Portishead nunca foi ao “indiano”. E se foi, não reparou no papelzinho ao lado das máquinas de cartão de crédito.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Luau macabro

A hora para começar a cantoria não poderia ser mais adequada. Depois que todos mataram suas garrafas, o camarada do violão começou seu assassinato particular.

Toda a bebida não impediu os dois amigos de notar o massacre das melodias. Mesmo bêbados, eram as únicas testemunhas lúcidas do crime hediondo. Ninguém mais parecia ver os olhos de “Pintura Íntima” serem arrancados. Tampouco “More Than Words” abraçada a “Have You Ever Seen The Rain”, ambas com vísceras à mostra, gritando por socorro.

Quando vomitaram, ao mesmo tempo, os outros pensaram que os dois tinham exagerado. Não sabiam: quem tinha bebido demais eram eles.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Presente (de grego) de mãe

O poder de voar. A visão raio X. A superforça. A Lois Lane. A cueca vermelha. Adivinha o que eu e o Super-Homem temos em comum?