terça-feira, 6 de outubro de 2009

A lua, júpiter e o céu


Fosse a camiseta uma funcionária e seu trabalho, cobri-la, seria demitida por justa causa. E não porque não fosse a pessoa – ou a camiseta – certa para o trabalho. O G duplo na etiqueta indicava: ela deveria dar conta do recado, como de fato um dia dera. Há meses, tinha passado por processo seletivo num provador, no qual o teste do espelho eliminou a concorrente, de único G. Antes que, como a de um hulk, se arrebentasse, a camiseta menor admitiu não ter a qualificação necessária e voltou humilde para a arara. Para onde voltaria em seguida a GG, se soubesse que não levaria muito para estar esgarçada e também insuficiente.

Hoje, não há camiseta que baste. Seriam necessárias todas as tendas beduínas para tapar por completo aquela saliência estomacal. Ignorando os limites impostos pelo fim do tecido, a pança não se envergonha de exibir ao mundo sua tez branca maltratada por estrias e por celulite. As seguidas ânsias que provoca em quem a vê afirmam que aquilo não pode ser coisa de Deus. Mas essas ânsias estão mal informadas. A despeito do aspecto hediondo, o acúmulo adiposo tem a mais divina das origens.

Pinturas renascentistas e outras, de rafaeis e michelângelos de praças públicas, nos falam de um Cristo esquálido, de inúmeras costelas mal cobertas por uma pele translúcida. Nas representações da crucificação, a cútis castigada por açoites, os litros de sangue vertido, por sob a coroa e em razão dos pregos, a face de sulcos profundos, em comum com a obesidade mórbida, só têm a morbidez. No mundo do rapaz, no entanto, a relação entre o Redentor e sua gordeza agravada é lógica. Não que, em Sua bondade infinita, Ele o tivesse provido com a fartura das feiras livres e açougues inteiros com que se alimentava. Nem que, através de Seus desígnios, Ele determinasse que seu metabolismo não fosse muito afeito à labuta. Jesus, isso sim, o tornara mais rechonchudo quando o salvou.

Começou quando se encontraram, no fundo do poço. Feliz em contradizer a crença segundo a qual quem habita o submundo é Seu antagonista, Jesus e a derme luminosa, de aparição, recepcionaram o jovem. O Bombeiro Galileu estendeu a mão e resgatou do buraco mais uma vítima. Apresentou-o a uma nova vida. Uma segunda chance, que envolvia orações, devoções e privações. Nada de álcool, de drogas, de sexo pré-matrimonial. Sim, a gula é pecado, dos capitais inclusive, mas perdoável se para suportar as exigências da nova jornada. Antes ceder a uma torta de morangos do que ao tecido de pêssego que cobre o sexo oposto. Enroladinho de salsicha tudo bem. Enrolar um baseado, jamais.

A lua na cara e júpiter no abdome, o moço não se incomoda com a astronomia de seu corpo, nem com a incompreensão da moda para com ela. Isso nada importa para quem está destinado à vida eterna. A possibilidade de ser levado pelo colesterol alto antes dos trinta, também não.