sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tecnologia a serviço do homem?


Se tem uma coisa que me dá nos nervos, além da expressão “dá nos nervos”, é o uso desnecessário de tecnologia. Essa mania de querer futorizar (no sentido de transformar tal coisa em “tal coisa do futuro”) tudo, invariavelmente coisas que poderiam muito bem continuar da forma como foram criadas, que já era boa o suficiente.

Quando resolveram fazer isso com os patinetes, surgiram as “walking machines”, uma febre na década passada, que, não posso negar, já fez parte da minha lista de desejos. Mas, como lembra o slogan de uma clássica campanha publicitária americana, a tendência do ser humano é sempre voltar ao básico e, após alguns anos, o que passou a estar na crista da onda foi a tradicional versão sem motor, muito mais bacana.

Recentemente, outra dessas modernices idiotas ganhou destaque nos noticiários. O reitor da Universidade de Brasília, sujeito com nome de rua de Los Angeles e filme do David Lych, foi deposto por, entre outras disparates, ter utilizado dinheiro público para comprar quatro lixeiras que se abrem automaticamente, cada uma ao custo de mais de mil pratas. Mil pratas numa maldita lixeira automática! Mais absurdo do que ele ter usado verba do governo para isso, é alguém pagar essa fábula por um negócio tão inútil. Só por isso, o cara merecia mais do que ser exonerado. Tinha que pegar uma prisão perpétua, nem que para isso o código penal precisasse ser alterado – aliás, aí sim uma modernização faria bem.

E o cachorro-robô? Tudo bem, não solta pêlo, não baba, não faz cocô onde não deve (nem em nenhum lugar), mas também não vai buscar bolas e gravetos jogados nem, muito menos, vai lamber sua cara após um dia de merda no trabalho. Alguma duvida que um cão vira-lata é bem melhor que um de lata?

Mas, no topo da lista do uso abusivo da tecnologia, está uma novidade que nem é tão nova assim. Já me fez passar raiva por inúmeras vezes e, sem dúvida, já ter feito o mesmo com você. O secador de mãos é das maiores infâmias produzidas pela civilização ocidental, motivo suficiente para os talibãs da vida atentarem contra as capitais dessa parte do globo. Você coloca suas mãos sob aquele ar quente e sai com elas tão molhadas como quando as tirou debaixo da torneira. Via de regra, se quiser as mãos secas, tenho que passá-las na calça. Nem sei por que o troço leva o nome de secador. Sarcasmo dos fabricantes, na certa. De tanto odiar o pseudo-secador, não imaginava que pudesse haver algo pior que ele. Mas com os fabricantes de engenhocas desnecessárias é assim: quando você pensa que eles não podem criar nada pior, sempre conseguem surpreender. Numa provável joint venture dos criadores do lixo (sim, tá mais pra lixo do que para lixeira) automático e do “secador” de mãos, veio a incrível máquina de papel-toalha com sensor de presença. Em tese, bastaria você posicionar sua mão sob o aparelho para, num passe de mágica, receber o pedaço de papel necessário para enxugar suas patas. Seria o adeus ao esforço sobre-humano empregado para puxar um pedaço de papel-toalha. Mudaria a sua vida, não mudaria? Isso, se funcionasse. Sempre, sempre, sempre que recorro à maquininha, tenho que puxar o papel eu mesmo, porque ela, talvez preocupada com a preservação das florestas, se recusa a me ceder uma folha inteira. E lá vou eu, novamente, secar as mãos na calça.

Se quisessem mesmo ajudar a humanidade, os cientistas poderiam concentrar seus esforços na criação de coisas realmente úteis, como o teletransporte, há décadas prometido pela ficção. Eu e todos que têm de dirigir bêbados ao sair do bar agradeceríamos.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Coletivo

Pessoas não são como ônibus: elas não têm o destino escrito na testa.
Pessoas são como ônibus: você pode pegar a errada por engano.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Cut your hair


- É isso. Vou cortar o cabelo. Também vou parar de usar esses brincos. E essas camisetas de banda. E essa camisa de flanela. Quem é que usa camisa de flanela amarrada na cintura hoje em dia? Fala sério. Tem uma hora que a gente precisa amadurecer...
- Tá aqui sua Serra Malte, Kurt Cobain...
- Peraí: do que você me chamou?

E, graças ao garçom, a maturidade de Rogério foi novamente adiada.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Pária

Bêbado e cansado, a testa encostada no frio azulejo do banheiro do boteco, à procura de um ponto de apoio num mundo que insistia em rodar. Os pontos entregues, tudo o que desejava era o calor da cama. A sua, não aquela para onde voltaria. A que passara a ser dele, não a aceitava como tal. O novo leito não era seu, nem de ninguém. Era mais frio que o azulejo onde encostava a testa. Não tinha para onde voltar. Sentindo o mundo girar com ainda mais intensidade, desistiu de procurar por pontos de apoio. Sabia que não encontraria nenhum.

Apenas diga não



Lanchonete Bob’s da Paulista, anos atrás:

- Por apenas mais 2,50, o senhor pode ter a porção extra de presunto, queijo e ovo. Aceita, senhor? – perguntou-me o atendente, sorridente mas sem muita esperança, seguindo o roteiro do seu treinamento.
- Obrigado... – respondi, imaginando o colesterol e a caloria adicionais, plenamente dispensáveis num sanduíche já repleto delas.
- Mas fica uma delícia, senhor... – insistiu, ainda sem botar fé.
- Ah, nesse caso, pode colocar – aceitei, possivelmente fazendo a foto do persuasivo rapaz estampar o quadrinho de “funcionário do mês”. Devo ter sido o primeiro, e talvez único, cliente a aceitar aquela promoção, um verdadeiro atentado contra a saúde pública.

Na hora não percebi, mas um discreto “yes” deve ter saído do lábios do rapaz, ao mesmo tempo em que desferiu o clássico soquinho no ar. Deve ter se sentido o máximo. Coitado. Não sabia que, para me convencer, não é preciso muito. Muitas vezes, aliás, não é preciso nada. Eu, meus amigos, nasci sem o chip do “não”. Uma deficiência séria, gravíssima, mas que, invisível ao olho nu, infelizmente não me habilita a estacionar nas vagas reservadas.

O governo americano, anos atrás, lançou uma campanha de conscientização quanto às drogas cujo slogan era “just say no”. Esperavam que, com uma instrução tão elementar, qualquer imbecil pudesse se livrar dos narcóticos. Raciocínio coerente: “não” é uma palavra simples mesmo para o vocabulário e a dicção não muito favorecidos dos adolescentes. Qualquer um conseguia dizer. Qualquer um que não eu, claro. Se não tenho um triste (e, às vezes, bem alegre) histórico de vício é porque as ofertas foram poucas. Desavisados, os traficantes deixaram de fazer dinheiro fácil com o mané aqui.

A impossibilidade de dizer o pequeno monossílabo já me prejudicou muito. Quantas manhãs de ressaca e cara amassada no trabalho causadas pela incapacidade de refugar baladas-roubadas sugeridas por amigos mais empolgados. Quantas balas sabor abacaxi ou aniz (éca) compradas no farol. Quantos filmes alugados e devolvidos sem ser vistos por não conseguir recusar a proposta do balconista de levar três pagando apenas dois, mesmo que eu só quisesse ver um. Quanto dinheiro emprestado que nunca mais verei – só não é mais porque, para o azar de quem pediu e, principalmente, para o meu, não passo nem perto de ser rico.

Isso sem contar a azia que aquela porção extra de queijo, presunto e ovo do Bob’s me causou. A queimação, que até hoje sinto, ainda deve ser a mesma.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Fragmentos



- Você me faz perder o sono.
- Você também.
- Puxa, eu não sabia que...
- Você se mexia tanto na cama?

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Uma embalagem de camisinhas, outra de chicletes pela metade, um coração. Nada que deixou na casa dela faria muita falta.

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- Você é tão linda e talentosa...
- Suas falas já foram melhores.
- É, as minhas e as do Woody Allen.

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Apaixonou-se perdidamente por uma massagista. Uma paixão arrebatadora. Um amor sem fim. Que terminou com a massagem.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O Fenômeno Falou



Se você é mais ou menos da minha idade, região e nível sócio-econômico, certamente usa a expressão “falou”. Na verdade, você usa a expressão, independente de qual seja sua idade, região ou nível sócio-econômico. Perfeita para encerrar conversas casuais, a gíria é realmente abrangente. Tanto que as pessoas passaram a utilizá-la não apenas para encerrar conversas casuais. O que faz, cada vez mais, reuniões de negócios e primeiros encontros terminarem como uma conversa pós-futebol.

Mais que uma expressão, o “falou” é um fenômeno. Simboliza que a informalidade característica de nosso país chegou a níveis inimagináveis mesmo pelo primeiro português a trocar as vestes pré-coloniais por uma singela sunga. Chegou à Blockbuster.

Talvez você não se lembre, mas a rede de locadoras de vídeo – talvez você também não se lembre que as pessoas alugavam “vídeos” – especializada em sucessos de bilheteria nem sempre existiu em nossas plagas. Quando chegou, seus principais diferenciais eram a grande quantidade de cópias do mesmo titulo e, principalmente, a excessiva educação de seus funcionários. Uma cordialidade exagerada, de sorrisos forçados e simpatia impossível, recheada de “obrigado”, “volte sempre” e “posso ajudá-lo?”. Enchia o saco, incomodava, mas, com o tempo, nos acostumamos. Tornou-se um esteio. Sabíamos que, nesse mundo cão, quando sentíssemos falta de um pouco de polidez, poderíamos sempre recorrer aos balconistas da Blockbuster e ao seu impecável treinamento. Bons garotos.

Outro dia, no entanto, ao sair de uma das lojas da rede americana (que, comprada pelas Americanas, já não é tão americana assim), recebi do atendente a sacola com os DVDs – como os vídeos são chamados atualmente – e agradeci a ele. O sujeito, em contrapartida e para o meu espanto, respondeu: “Falou.” Muito mais do que os aviões que colidiram no World Trade Center, aquilo simbolizou, para mim, a derrocada da civilização ocidental. Se nem o pessoal da Blockbuster é educado, quem será?

Vindo de alguém que trabalha na Blockbuster, é mais chocante, porém o “fenômeno falou” não se restringe às lojas da cadeia e nem à expressão em si. Representa uma nova (falta de) orientação no tratamento entre prestadores de serviço e clientes, entre pessoas em geral. Hoje, é cada vez mais raro receber um “muito obrigado”, um “volte sempre” ou um “posso ajudá-lo?” – se bem que esse último eu até dispenso, já que, quando me perguntam isso, quase sempre tenho que me sair com o clássico “só estou olhando”. Recepcionistas de cara-amarrada raramente me dirigem um “bom dia”, parecendo que dormiram comigo – e, como a beleza também não é mais um requisito para o cargo, raramente desejo que isso tenho de fato acontecido. Manobristas de estacionamento rosnam quando ergo o polegar em direção a eles e, por pouco, não o arrancam fora à mordida.

Não pense que esse modus operandi se restringe a subalternos mal-educados. Faça uma retrospectiva mental e, provavelmente, constatará que, menos e menos, tem usado “bom dia” ou “obrigado”, por exemplo. Ponha a culpa disso na correria do dia-a-dia se preferir. Eu atribuo ao “fenômeno falou”. A famosa informalidade brasileira é a brecha que muitos procuram para dispensar os modos. Sim, porque, atualmente, a boa educação se confunde com a formalidade. Em certo tempo, de tão incomuns, expressões como “por favor” e “obrigado” farão companhia a outras como “vossa excelência” na norma culta das relações. Será tudo “falou”.

E, em mais um pouco, até o “falou” terá desaparecido. Aí, rosnaremos como os manobristas ignorantes, então lembrados como uma espécie de elo perdido.