quarta-feira, 23 de abril de 2014

O dia em que entrevistei Andy Rourke

Antes de Andy Rourke subir ao palco, para uma pequena porém emocionante participação no show do velho amigo Johnny Marr, eu já estava suando. Bem mais que a emoção, o que me fazia transpirar era o calor incomum para o outono paulistano. Num desrespeito não condizente com a importância dele, a organização do festival escalou Johnny para se apresentar às 14h30. Dias depois, reencontrei o ex-baixista dos Smiths. Não estava mais sob um sol abrasador, nem entre milhares. Mas, mesmo assim, mesmo com o ar condicionado da rádio, minha transpiração ultrapassava a do domingo anterior.

Estava nervoso. Tinha ido à sede da 89 FM para entrevistar um integrante da minha banda preferida. Era uma emoção ainda maior do que vê-lo tocar "How Soon Is Now?" ao lado de um dos gênios que a compuseram – uma emoção, aliás, que já tinha sido grande. Para me preparar, escrevi uma série de perguntas e, temendo as propriedades amnésicas do nervosismo, me esforcei para memorizá-las, lendo-as e relendo-as seguidamente até a hora da entrevista, que a MTV havia me convidado para fazer. O Mariano, diretor do programa Coletivation, tinha lido "Quem Vai Ficar Com Morrissey?"e, tendo gostado, achou que seria boa ideia chamar o autor para a tarefa -- quem sabe, para realizar o sonho do protagonista de ser repórter musical. Uma ótima ideia, uma grande honra, que não parece ter levado em conta o enjoo de um marinheiro de primeira viagem. A produtora Laís, por sua vez, levou. Para me ajudar, imprimiu as perguntas e as colocou em plaquinhas, colas escolares autorizadas, que eu teria à mão e poderia consultar durante a entrevista. Além disso, para não deixar dúvidas de que era gente boa, a moça fez alguns "ensaios" comigo, colocando-se no papel do Andy Rourke, para aliviar minha tensão.

Chegou a hora, e nada daquilo adiantou. Suei, gaguejei e minha mão, segurando o microfone, tremeu. Mas o nervosismo não afetou minha memória, ao contrário: não consultei nenhuma das plaquinhas, seguras pela outra mão, mantida presa às costas durante todo o tempo. Ótimo eu saber o que perguntar, péssimo o efeito visual daquela mão para trás, tão nervosa e amadora, tão contrária à articulação quase arrogante dos VJs que cresci assistindo numa outra encarnação daquela mesma MTV. Meu inglês, que nunca havia me deixado na mão, mostrou-se tão vacilante quanto eu. Esqueci completamente a recomendação do câmera e mal olhei para a lente do seu equipamento. A última e inequívoca prova do meu nervosismo: falei demais, fui muito fã. Até agora, passadas duas semanas, ainda não vi a gravação. Mas, apesar das afirmações contrárias do pessoal da MTV, tenho certeza que ficou péssima.


Semana passada, na segunda, fui aos estúdios da própria MTV gravar minha participação no Coletivation. Dessa vez, as oportunidades de dar vexame seriam outras, mais familiares – afinal, já havia sido entrevistado antes, no programa Combo Fala+Joga, da PlayTV. Naquela ocasião, apesar das dificuldades de controlar joysticks e língua ao mesmo tempo, até que me saí bem; no Coletivation, acho que também não fui de todo mau. Contribuíram para isso os apresentadores Patrick e Kéfera, muito bacanas. Apesar da levada stand up comedy do programa, não me usaram – muito – como escada. Me deixaram falar um bocado, sobre Smiths, Morrissey, Andy Rourke e sobre o livro – óbvio. Mesmo sem ter visto o produto final, saí de lá com um bom pressentimento.


Na próxima quarta, dia 30, às 20h, finalmente verei se fiz assim tão feio na entrevista com o Andy Rourke – e se mandei tão bem mesmo no Coletivation. E você também vai ver: às 20h00, na MTV.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Escolhas (ou Lollapalooza 2014)


Johnny Marr, Andy Rourke e meu dedo.
A vida é feita de escolhas. Inclusive, começar este texto com um clichê desses foi uma que fiz. Mas, por mais lugar-comum que seja esta frase, ela aplica-se perfeitamente para resumir minha experiência ontem, no Lollapalooza. Em primeiro lugar, escolhi não me entregar completamente à preguiça que aumenta com os anos. Aumenta, aliás, tudo que se refere aos festivais: o tempo que se passa em pé, a distância entre os palcos, a fila para usar o banheiro e para comprar bebida, além do preço da própria. Correção: nem tudo aumenta. O poder de persuasão dos linups vai na contramão. Sábado, o Phoenix e o Julian Casablancas não tiveram sucesso em me tirar de casa. Mas, juntos, Pixies, Arcade Fire, New Order e Johnny Marr, sim, me convenceram. Se eles, mais velhos que eu, ainda estão na ativa, qual a minha desculpa? Fui lá, com amigos do trabalho e da vida, numa confortável van, com bancos macios e ar condicionado – um argumento bem mais convincente que o Vampire Weekend, por exemplo.

Chegamos cedo, para ver uma das primeiras atrações, aquele que, para mim, era “o” show. Eram cerca de 14h30 quando Johnny Marr subiu ao palco. Sob um calor que nada tinha a ver com o atual outono, ele e banda insistiam na elegância de camisas de mangas compridas abotoadas até o colarinho. Já eu, descamisado, pirava com a execução perfeita de “Stop Me If You Think That You Heard This One Before” – claro que eu tinha ouvido, Johnny, mas não ao vivo, não tão foda. Comparando às apresentações que vi no YouTube, tive a impressão de que Johnny cantou melhor as canções dos Smiths – talvez porque, com os sucessivos shows, a sombra do mítico Morrissey torne-se mais pálida. Não há o que questionar: aquelas maravilhosas letras ficam melhores na voz de quem as compôs. Mas, se o antigo parceiro pode cantar suas melodias, por que não Johnny se arriscar a entoar os versos do outro? Musicalmente falando, o incomparável é ele. Boz Boorer e todos os guitarristas que, antes dele, acompanharam Morrissey são bons, mas nenhum rivaliza com Marr. Nenhum é tão bem sucedido ao recriar os inesquecíveis riffs compostos por ele. Nas músicas do seu brilhante disco de estreia, “The Messenger”, feitas para ser cantadas por ele, obviamente sua voz encaixa-se melhor. E que bom ver Johnny finalmente ter uma carreira solo à altura do seu talento e importância. Material novo que não é novo entre aspas, que se sobressai diante das fileiras de bandas sem alma fabricadas em série, pelas quais ele é, em parte, responsável – crime sem dolo: até porque, ninguém se torna influência ou referência simplesmente querendo. Diferente do que geralmente acontece nas apresentações de ídolos do passado, em que têm-se que aturar canções atuais à espera dos antigos sucessos, no show do Johnny, músicas como “Generate! Generate!”, “The Right Thing Right” e “New Town Velocity” não são meramente encheção de linguiça (e de saco) para quem quer ouvir Smiths. Dito isso, vamos admitir: os principais momentos do show foram mesmo os hinos da banda. Neles, mesmo que a voz do Johnny não fosse boa o suficiente, o infalível coro da plateia o ajudaria. Na derradeira “There Is A Light That Never Goes Out”, mais uma prova de que sou um velho ranzinza: a cantoria do sujeito ao meu lado, cuja voz muitas vezes encobria a que vinha do palco, quase me fez mandá-lo calar a boca. Só não o fiz porque, enfim, ainda não sou tão velho e ranzinza a esse ponto. Apesar de “There Is A Light...” ser a mais famosa e catártica, para mim e para os fãs de verdade, a emoção maior veio antes. Numa surpresa que não surpreendeu os mais bem informados – a informação já tinha vazado –, Johnny chamou seu mais antigo amigo, Andy Rourke. Ao lado do ex-baixista dos Smiths, no mais próximo que a banda já chegou dos palcos nacionais, tocou “How Soon Is Now”. Infelizmente, foi a única que tocaram juntos, mas suficiente para fazer daquele um dos momentos que deveriam ser guardados sob  redomas de vidro – como sugere Holden Caulfield em “O Apanhador No Campo de Centeio”. Coisa linda. 

Depois de ver Johnny e Andy tocando juntos, o ingresso já estava mais que pago. Mas a van que tinha nos levado estaria de volta apenas às 23h00 e, já que tinha que esperar até lá... Não, falando sério, tinha algumas das minhas bandas preferidas e uma linda tarde ensolarada pela frente. Cerveja é o elixir da juventude e, mesmo que o calor a evaporasse rápido, ajudava a ignorar as reclamações do joelho – que eu não ouvia ainda, mas que não tardariam. De olho na programação, vi que levaria um bom tempo até o próximo show imperdível (Pixies). Então, saí andando e bebendo, me encontrando com amigos com quem não tinha combinado e me perdendo daqueles com quem estava. Por sorte, quando o show do Pixies começou a voz de Black Francis não era a única conhecida que eu ouvia. Abraçado com amigos, cantei junto as músicas que há anos me acompanham e que conheço de cor. Era meu terceiro show do Pixies, o primeiro que veria sem a Kim Deal – o componente de doçura e simpatia de uma banda pesada e mal encarada. A baixista argentina – a segunda tentativa de substituí-la – tem certa graça, desempenha seu papel no baixo a contento... mas não é a Kim Deal. A própria banda sabe disso, tanto que, para evitar mais (e injustas) comparações, não se arriscaram em nenhuma das músicas que ficaram famosas na voz da Kim. As novas – do ótimo “Indie City – não deram conta de suprir a ausência de “Gigantic”. Mesmo assim, gostei muito do show. Com aquele repertório, não dá para reclamar – se bem que, àquela altura, meus joelhos já começavam a fazer isso.

O Soundgarden tocava a uma distância impensável, que foi de onde eu vi, mais interessado em trocar uma ideia com mais amigos recém encontrados. Depois, um amigo músico que viu pela TV disse que eu só perdi a chance de ficar constrangido com a incapacidade de Chris Cornell alcançar as antigas notas; mas outros, com menos exigência técnica, me disseram que foi divertido.

A noite avançava e o dilema se aproximava: Arcade Fire e New Order tocariam no mesmo horário. Uma cagada da organização, que me impediria de assistir ambos e separaria os homens dos meninos. Ou melhor, os jovens dos velhos. Ao mesmo tempo que gosto muito do Arcade Fire, tenho um bode terrível deles: me parecem um bando de chatos hippongas que, paradoxalmente, fazem uma música que me agrada bastante. Somada essa resistência à “teatralidade” deles ao último disco – que ainda não me desceu –, decidi pelo meu segundo show dos veteranos de Manchester, torcendo para eles demonstrarem estar em tão boa forma quanto o conterrâneo Johnny Marr. A diferença é que, se o guitarrista tinha a seu favor um elemento surpresa no baixo, o New Order foi prejudicado justamente pela ausência daquele que se consagrou tocando esse instrumento na banda. Kim Deal não é apenas uma baixista para o Pixies, e o mesmo pode se dizer de Peter Hook no New Order. Ele, provavelmente, fez mais falta do que ela. Bernard Sumner é bonzinho, (ainda) canta bem, mas é a falta de carisma em pessoa. Enquanto Peter Hook dividia – e ficava com a maior parte das – atenções com ele, tínhamos para onde olhar quando sentíamos falta de presença de palco. Vídeos lindos exibidos no telão e uma iluminação espetacular completavam os esforços técnicos para suprir as deficiências cênicas da banda. Mas, se não fosse um repertório irretocável, repleto de hits – “Perfect Kiss”, “Blue Monday”, “Bizarre Love Triangle” e “Love Will Tear Us Apart”, para ficar em alguns –, nada disso daria conta. A banda se segurava nos seus sucessos, mas, quando Sumner ensaiou uns patéticos passos de dança, fiquei imaginando se não subiria alguém para segurá-lo e impedi-lo de cair. As músicas do New Order e do Joy Division envelheceram muito bem, mas o Bernard...

Desde o começo do show do New Order, secretamente lamentei não ter escolhido o Arcade Fire. À medida que o show avançava, esse arrependimento se acentuava. Hoje, lendo e ouvindo relatos de quão maravilhoso foi o concerto dos canadenses, esse sentimento se intensificou. Para tentar arrefecer a ressaca opcional (não a ressaca que você tem por escolha, mas por causa de uma escolha), procurei dizer a mim mesmo que, em breve, o Arcade Fire volta para o Brasil ou, caso contrário, eu os verei numa futura viagem ao exterior. Como último recurso, me conformo com o clichê que deu início a este texto: a vida é feita de escolhas. E, apesar do cansaço que agora me empurra para a cama, não me arrependo de ter escolhido ir ao Lollapalooza 2014.