Johnny Marr, Andy Rourke e meu dedo. |
A vida é feita
de escolhas. Inclusive, começar este texto com um clichê desses foi uma que
fiz. Mas, por mais lugar-comum que seja esta frase, ela aplica-se perfeitamente
para resumir minha experiência ontem, no Lollapalooza. Em primeiro lugar,
escolhi não me entregar completamente à preguiça que aumenta com os anos.
Aumenta, aliás, tudo que se refere aos festivais: o tempo que se passa em pé, a
distância entre os palcos, a fila para usar o banheiro e para comprar bebida,
além do preço da própria. Correção: nem tudo aumenta. O poder de persuasão dos linups vai na contramão. Sábado, o
Phoenix e o Julian Casablancas não tiveram sucesso em me tirar de casa. Mas,
juntos, Pixies, Arcade Fire, New Order e Johnny Marr, sim, me convenceram. Se eles, mais
velhos que eu, ainda estão na ativa, qual a minha desculpa? Fui lá, com amigos
do trabalho e da vida, numa confortável van, com bancos macios e ar
condicionado – um argumento bem mais convincente que o Vampire Weekend, por
exemplo.
Chegamos
cedo, para ver uma das primeiras atrações, aquele que, para mim, era “o” show.
Eram cerca de 14h30 quando Johnny Marr subiu ao palco. Sob um calor que nada
tinha a ver com o atual outono, ele e banda insistiam na elegância de camisas
de mangas compridas abotoadas até o colarinho. Já eu, descamisado, pirava com a
execução perfeita de “Stop Me If You Think That You Heard This One Before” –
claro que eu tinha ouvido, Johnny, mas não ao vivo, não tão foda. Comparando às
apresentações que vi no YouTube, tive a impressão de que Johnny cantou melhor
as canções dos Smiths – talvez porque, com os sucessivos shows, a sombra do
mítico Morrissey torne-se mais pálida. Não há o que questionar: aquelas
maravilhosas letras ficam melhores na voz de quem as compôs. Mas, se o antigo
parceiro pode cantar suas melodias, por que não Johnny se arriscar a entoar os
versos do outro? Musicalmente falando, o incomparável é ele. Boz Boorer e todos
os guitarristas que, antes dele, acompanharam Morrissey são bons, mas nenhum
rivaliza com Marr. Nenhum é tão bem sucedido ao recriar os inesquecíveis riffs compostos por ele. Nas músicas do
seu brilhante disco de estreia, “The Messenger”, feitas para ser cantadas por
ele, obviamente sua voz encaixa-se melhor. E que bom ver Johnny finalmente ter
uma carreira solo à altura do seu talento e importância. Material novo que não
é novo entre aspas, que se sobressai diante das fileiras de bandas sem alma fabricadas
em série, pelas quais ele é, em parte, responsável – crime sem dolo: até
porque, ninguém se torna influência ou referência simplesmente querendo. Diferente
do que geralmente acontece nas apresentações de ídolos do passado, em que têm-se que
aturar canções atuais à espera dos antigos sucessos, no show do Johnny, músicas
como “Generate! Generate!”, “The Right Thing Right” e “New Town Velocity” não
são meramente encheção de linguiça (e de saco) para quem quer ouvir Smiths.
Dito isso, vamos admitir: os principais momentos do show foram mesmo os hinos
da banda. Neles, mesmo que a voz do Johnny não fosse boa o suficiente, o
infalível coro da plateia o ajudaria. Na derradeira “There Is A Light That
Never Goes Out”, mais uma prova de que sou um velho ranzinza: a cantoria do
sujeito ao meu lado, cuja voz muitas vezes encobria a que vinha do palco, quase
me fez mandá-lo calar a boca. Só não o fiz porque, enfim, ainda não sou tão
velho e ranzinza a esse ponto. Apesar de “There Is A Light...” ser a mais
famosa e catártica, para mim e para os fãs de verdade, a emoção maior veio
antes. Numa surpresa que não surpreendeu os mais bem informados – a informação
já tinha vazado –, Johnny chamou seu mais antigo amigo, Andy Rourke. Ao lado do
ex-baixista dos Smiths, no mais próximo que a banda já chegou dos palcos
nacionais, tocou “How Soon Is Now”. Infelizmente, foi a única que tocaram
juntos, mas suficiente para fazer daquele um dos momentos que deveriam ser
guardados sob redomas de vidro –
como sugere Holden Caulfield em “O Apanhador No Campo de Centeio”. Coisa linda.
Depois de
ver Johnny e Andy tocando juntos, o ingresso já estava mais que pago. Mas a van
que tinha nos levado estaria de volta apenas às 23h00 e, já que tinha que
esperar até lá... Não, falando sério, tinha algumas das minhas bandas
preferidas e uma linda tarde ensolarada pela frente. Cerveja é o elixir da juventude
e, mesmo que o calor a evaporasse rápido, ajudava a ignorar as reclamações do
joelho – que eu não ouvia ainda, mas que não tardariam. De olho na programação,
vi que levaria um bom tempo até o próximo show imperdível (Pixies). Então, saí
andando e bebendo, me encontrando com amigos com quem não tinha combinado e me
perdendo daqueles com quem estava. Por sorte, quando o show do Pixies começou a
voz de Black Francis não era a única conhecida que eu ouvia. Abraçado com
amigos, cantei junto as músicas que há anos me acompanham e que conheço de cor.
Era meu terceiro show do Pixies, o primeiro que veria sem a Kim Deal – o
componente de doçura e simpatia de uma banda pesada e mal encarada. A baixista
argentina – a segunda tentativa de substituí-la – tem certa graça, desempenha
seu papel no baixo a contento... mas não é a Kim Deal. A própria banda sabe
disso, tanto que, para evitar mais (e injustas) comparações, não se arriscaram
em nenhuma das músicas que ficaram famosas na voz da Kim. As novas – do
ótimo “Indie City – não deram conta de suprir a ausência de “Gigantic”. Mesmo assim, gostei
muito do show. Com aquele repertório, não dá para reclamar – se bem que, àquela
altura, meus joelhos já começavam a fazer isso.
O
Soundgarden tocava a uma distância impensável, que foi de onde eu vi, mais
interessado em trocar uma ideia com mais amigos recém encontrados. Depois, um
amigo músico que viu pela TV disse que eu só perdi a chance de ficar
constrangido com a incapacidade de Chris Cornell alcançar as antigas notas; mas
outros, com menos exigência técnica, me disseram que foi divertido.
A noite
avançava e o dilema se aproximava: Arcade Fire e New Order tocariam no mesmo
horário. Uma cagada da organização, que me impediria de assistir ambos e separaria
os homens dos meninos. Ou melhor, os jovens dos velhos. Ao mesmo tempo que
gosto muito do Arcade Fire, tenho um bode terrível deles: me parecem um bando
de chatos hippongas que, paradoxalmente, fazem uma música que me agrada bastante.
Somada essa resistência à “teatralidade” deles ao último disco – que ainda não
me desceu –, decidi pelo meu segundo show dos veteranos de Manchester,
torcendo para eles demonstrarem estar em tão boa forma quanto o conterrâneo
Johnny Marr. A diferença é que, se o guitarrista tinha a seu favor um elemento
surpresa no baixo, o New Order foi prejudicado justamente pela ausência daquele
que se consagrou tocando esse instrumento na banda. Kim Deal não é apenas uma
baixista para o Pixies, e o mesmo pode se dizer de Peter Hook no New Order. Ele,
provavelmente, fez mais falta do que ela. Bernard Sumner é bonzinho, (ainda)
canta bem, mas é a falta de carisma em pessoa. Enquanto Peter Hook dividia –
e ficava com a maior parte das – atenções com ele, tínhamos para onde olhar quando sentíamos falta de presença de palco. Vídeos lindos
exibidos no telão e uma iluminação espetacular completavam os esforços técnicos
para suprir as deficiências cênicas da banda. Mas, se não fosse um repertório
irretocável, repleto de hits – “Perfect Kiss”, “Blue Monday”, “Bizarre Love
Triangle” e “Love Will Tear Us Apart”, para ficar em alguns –, nada disso daria
conta. A banda se segurava nos seus sucessos, mas, quando Sumner ensaiou uns
patéticos passos de dança, fiquei imaginando se não subiria alguém para
segurá-lo e impedi-lo de cair. As músicas do New Order e do Joy Division
envelheceram muito bem, mas o Bernard...
Desde o
começo do show do New Order, secretamente lamentei não ter escolhido o Arcade
Fire. À medida que o show avançava, esse arrependimento se acentuava. Hoje, lendo
e ouvindo relatos de quão maravilhoso foi o concerto dos canadenses, esse
sentimento se intensificou. Para tentar arrefecer a ressaca opcional (não a
ressaca que você tem por escolha, mas
por causa de uma escolha), procurei
dizer a mim mesmo que, em breve, o Arcade Fire volta para o Brasil ou, caso
contrário, eu os verei numa futura viagem ao exterior. Como último recurso, me
conformo com o clichê que deu início a este texto: a vida é feita de escolhas.
E, apesar do cansaço que agora me empurra para a cama, não me arrependo de ter escolhido ir ao Lollapalooza 2014.
2 comentários:
Concordo com o que você escreveu sobre o show do Johnny Marr, Leandro. As músicas do cara são muitos boas e compuseram com as do Smiths um repertório de primeira. Só não tenho a mesma clareza sobre o melhor momento, a participação do Andy Rourke ou o encerramento com “There Is A Light That Never Goes Out”. Para mim, foram igualmente maravilhosos. E ainda tivemos as músicas próprias e a lambuja do Clash...
Do Pixies, também gostei, mas achei que foi um show feito sem tesão. A impressão é que o Black Francis não aguenta mais cantar suas músicas.
Posso dizer ainda que você não perdeu nada em deixar de ver o Soundgarden, perdeu um pouco em deixar de ver o Vampire Weekend e perdeu muito, mas muito mesmo, em deixar de ver o Arcade Fire. Compartilho seu receio com a bichogrilice deles, mas, musicalmente, são fantásticos. Foram a prova definitiva de que música refinada pode ser feita para multidões.
Também contarei minhas impressões logo mais no meu (quase finado) blog. Quando conseguir, faço uma postagem no FB para você poder ler. Abraços e boa entrevista!
Postar um comentário