segunda-feira, 14 de abril de 2008

Get in the ring


Sabe aquela cena do cara colocando a mão dentro de um balde de gelo depois de socar alguém? Sem nunca ter entrado numa briga (as que tinha com o irmão não contavam), nunca tinha entendido aquilo direito. Até outro dia.

Puto da vida com o trabalho e sua inércia (devia estar procurando outro), foi à academia na hora do almoço. Correr e puxar ferro foi bom para descarregar a raiva, mas boa mesmo foi a dica do instrutor quando lhe disse que estava cheio de ódio (meio pesado, mas adequado ao seu estado). O professor mostrou-lhe umas luvas de boxe e o saco de areia, e aí foi fácil fazer a matemática, até para alguém tão tosco na matéria quanto ele. Meteu porrada no troço, cuja forma ajudava a visualizar os culpados pelo meu estado de espírito. Nem precisou de muita imaginação para enxergar no enorme saco as cabeçorras do chefe e a própria. O professor lhe dizia para alternar jabs (socos mais leves) e diretos (que você sabe o que é), mas ele queria ser o Tyson, resolver a luta logo no primeiro round. E tome diretos, com toda a sua força, que, se não era suficiente para derrubar um peso pesado, daria conta tranqûilamente do sobre-peso do seu chefe. "Catártico", como diria o professor (o de ética e cidadania da faculdade, não o da academia - esse, provavelmente, nem sabe o que é isso.)

Ao chegar no vestiário, a adrenalina já baixa, pôde sentir um incômodo nas mãos. Olhou-as e notou hematomas no meio dos dedos, entre o roxo e o vermelho sangue-pisado. Apesar de impressionado, não estava necessariamente dolorido. Sentiu-se, então, imbatível. Mas foi só até a adrenalina já se ir por completo. Então, sentindo os punhos latejar, compreendeu a necessidade daquelas gazes que os treinadores aplicam nos dos lutadores antes das pelejas.

Mesmo assim, estaria disposto a abrir as feridas na cara do chefe se isso, além do emprego, não lhe custasse um tempo no xilindró.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O mundo é uma grande firma

Os físicos atestam: o tempo não passa de ilusão. Devem dizer isso por não ter espelho em casa. Se têm, passam por ele sem refletir, igual aos vampiros. Caso topassem com seus reflexos, os estudiosos ouviriam deles e de suas rugas e cabelos brancos que, além de existir, o tempo tem judiado deles. A julgar pelas fotos de Stephen Hawking, de Einstein e dos poucos físicos conhecidos do grande público (tem mais algum?), a classe tem mesmo bons motivos para manter distância de qualquer superfície reflexiva. Eu, mesmo não sendo muito mais bonito que o simpático e quase imóvel Hawking, ainda visito meu outro eu que mora sobre a pia do banheiro e nas vitrines da vida. E posso afirmar: o tempo, camaradas, não é uma lorota. A não ser por uma de suas subdivisões, o tempo que se passa fora do trabalho. Isso, sim, é conversa. Você sempre está no ambiente coorporativo.

A cada dia, passa-se mais das vinte e quatro horas num cubículo ou equivalente. O seu emprego, esse que, “se você não quiser, tem um monte de gente querendo”, exige que você se dedique ao máximo, que dê tudo de si – mesmo que seu ofício se restrinja a carimbar documentos. Em “tudo de si”, obviamente, está incluído o tempo, e esse não se restringe às oito horas previstas na CLT, obra de ficção para a maioria dos empregados. Cientes disso, muitas empresas, boazinhas que só, procuram tornar as horas dentro delas as mais agradáveis possíveis. Instalam máquinas de café incrementadas e salas de musculação, fazem vistas grossas ao acesso de sites impróprios (qualquer um que seja pessoal), aos joguinhos de computador e, as mais liberais, até aos affairs nas escadas de incêndio. Tudo para o funcionário saber que, para elas, ele não é só um número – o que, vindo de quem já afirmou que ninguém é insubstituível, é no mínimo contraditório. Vou te contar a verdade por trás dessa benevolência toda, mas não espalha: na real, as corporações querem que você, amiguinho, passe cada vez mais tempo trabalhando sem se dar conta. Funciona tão bem que muitos continuam no trabalho mesmo quando o trabalho propriamente dito já acabou. Nessa hora, acessam sites impróprios, divertem-se com joguinhos de computador e, em alguns casos, comparecem a encontros marcados na escada de incêndio.

Às vezes, mui raramente, você consegue dar conta dos seus afazeres e se desvencilhar do aperto dos braços da sua cadeira – afinal, você precisa tomar banho e trocar de roupa, e nem toda empresa dispõe de chuveiros (ainda). Nessas horas, você aproveita para fingir que tem uma vida e fazer algo que você imagina ser divertido. Sim, porque, depois de tanto tempo confinado, você já não tem certeza do que de fato é divertido. É uma encenação patética. Não saindo da empresa, fica difícil fazer amizades, então, quem você chama para beber? Seus colegas de trabalho, que, como o próprio rótulo indica, não são seus íntimos – embora passem o dia inteiro com você e saibam mais da sua vida do que pessoas que pretensamente o são. Como nem você nem eles saem do escritório, todas as suas experiências se restringem à rotina profissional e às fofocas da rádio-peão. Tudo o que eles sabem você também sabe, e a conversa não passa de uma troca de informações que de troca não tem nada. O humor é sempre proveniente de algum e-mail nomeado como “MUITO BOM!!!!”, que todo mundo já leu, mas não se cansa de comentar a respeito e rir. Isso também vale para os raros encontros com as igualmente raras relações fora da empresa, que, como você, não têm vida além das baias.

A estratégia de que falei lá em cima – a empresas tentando imitar o ambiente da vida real para fazer os peões se sentirem à vontade – tem uma falha. Não que os funcionários não relaxem, não que eles desaprovem. O tanto que eles se excedem além do expediente não deixa dúvidas. O ponto é que a tal vida real está cada vez mais distante do que as corporações buscam simular e muito mais de acordo com o que elas tentam maquiar. Como os chefes, esposas dão bronca nos maridos quando chegam atrasados, quando o desempenho (você entendeu) não está satisfatório. Se no escritório o cara pode entrar no site que quiser, em casa ele está em sérios apuros se a patroa (cada vez mais digna do apelido) descobrir putaria nos últimos acessos. Por isso mesmo, o sujeito ri sem-graça quando um colega, ao vê-lo ficar até mais tarde, pergunta se ele “não tem ambiente em casa” ou se “brigou com a patroa”. Provavelmente, as duas estão corretas.

Agora, que provei por A + B (odeio essa expressão, mas, gozado, gosto de usar algumas expressões que odeio) que o tempo fora do trabalho não existe, fico aqui à espera da indicação ao Nobel. Que, obviamente, deve ser entregue no endereço comercial.