quinta-feira, 23 de agosto de 2007

In The Future When All’s Well


Estamos no futuro. Mais do que no futuro, aliás. Robocop se passa no final do século XX, e isso já tem dez anos. Muita gente não se deu conta porque imaginava que agora, no futuro, estaríamos entre os destroços de uma guerra que não aconteceu. Não para mim e você. Lugares como o Afeganistão ou o Iraque poderiam ser cenários de Mad Max.

A grande epidemia, outro palpite das histórias futuristas para o fim da humanidade, esta sim já veio. E não foi só uma. Muito depois da peste negra, veio a tuberculose, veio a gripe aviária, veio o ebola, veio a AIDS. Só o fim do mundo que é bom – ou melhor, não é – não veio. A não ser, obviamente, para aqueles que ficaram no meio do caminho. Mesmo assim, para eles, 2007 não é o futuro. Para eles, isso não existe.

No futuro, não moramos na lua nem em Marte, mas já mandamos para esses lugares muito mais dinheiro do que para a África, muito mais próxima e necessitada. Missões (tripuladas e não) nos dizem que lá não há condições para a vida humana. Na África, principalmente. O povo africano não crê estar no futuro. Tem suas razões. Espera que o futuro seja qualquer coisa melhor do que isto.

Não acreditem no que dizem os carros, despeitados, que não aprenderam a voar. A eles agora fazem companhia os aviões, mantidos no chão pela crise aérea que completará um ano. O que nos leva à outra prova irrefutável da época em que estamos: Lula foi eleito, como haveria de ser um dia. A igualdade social e o fim da corrupção que viriam com ele é que ficaram para trás.

Estamos no futuro. Mas só até eu acordar. Aí, sentindo o cheirinho do café da minha mãe, vou pedir para ela me levar para ver um filme novo, sobre um policial ciborgue. Será vai ter coisas assim no futuro?

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Paredes de Coura são as que têm melhor acústica


Como quarta seria feriado em Portugal, terça à noite eu e o Fábio fomos para Paredes de Coura, cidade de nome estranho onde se realiza um festival que tem o azar de ser homônimo. Fica a, mais ou menos, uns 550 km da capital portuguesa. Estrada boa e sem trânsito (mesmo, quase nenhum carro), chegamos em tempo de pegar mais da metade do show do New York Dolls. Se a performance dos tiozinhos não fez jus aos tempos em que ainda se vestiam de mulher, a do Dinosaur Jr, sim, foi do cacete. Não paramos de bater cabeça um segundo. E, nesse caso, a chuva que caía ajudou: se não fosse por ela, este meu cabelinho ruim jamais sairia do lugar.

Depois dos shows, montamos uma tenda. Foi então que me lembrei porque nunca tinha acampado antes. Puta desconforto, mal consegui dormir. No dia seguinte, ainda sob chuva, resolvemos desarmar a barraca e levar as coisas para o carro, porque, logo após o Sonic Youth, já pegaríamos a estrada. Choveu durante mais um tempo e, depois, para a nossa sorte, o tempo se abriu. Aí, deu até para pegar um sol no gramado próximo à área de camping, onde uns caras estranhos estavam declamando umas poesias ídem. Ao contrário do que parece, foi bacaninha.

Por volta de umas 18h, fomos à região do palco, muito legal, por sinal. Era um buraco - no sentido de depressão topográfica, não no de lugar de merda. Ficava no fundo, o que possibilitava, além de ótima acústica, uma boa visão, mesmo para quem estava distante. Não foi o nosso caso. À medida que o concerto do Sonic Youth se aproximava, a gente fazia o mesmo. Antes do que mais queríamos ver, tocaram sete grupos, entre eles, uns novos (Sunshine Underground) e outros obscuros (Electrelane). A surpresa ficou por conta de Peter, Bjorn e John, com boa presença de palco e repertório para além de "Young Folks" - que teve, aliás, uma versão abaixo da original; a voz feminina fez falta. Mal acabou o show dos três, a movimentação em direção aonde estávamos se intensificou. O pessoal se acotovelava, afoito, para ver o Cansei de Ser Sexy, mega sucesso por aqui e por todo lugar que não seja o Brasil. A banda é boa? Não. O show foi ruim? Também não. Eles são bem divertidos. A vocalista, uma japonesinha num colant de lantejoulas, não parava de falar besteira e zoar os portugueses, que ela parecia ter esquecido serem a platéia. Imitando o sotaque local, soltava "brigadinhos" e cantava "é uma casa portuguesa, com certeza". Resvalava na falta de respeito, e só não o foi por causa da simpatia dela - a velha da tática do "na boa" antes de "vai tomar no cu" ou coisas do gênero. A tática funcionou, e a galera foi ao delírio.

A seguir, o momento de separar os meninos dos homens. Não só porque o Sonic, ao contrário do CSS, é uma banda, mas também porque, terminado o show desses últimos, a molecada que se concentrava perto do palco deu lugar a um pessoal mais, er, vivido. Excelente show, bem melhor do que aquele que vi há 2 anos no festival paulistano Claro Que É Rock. Se os conterrâneos Dolls desmereceram a Nova York que trazem no nome, Lee Ranaldo, Thruston Moore, Kim Gordon e o baterista, cujo nome ninguém lembra , honraram a Grande Maçã. Além do novo disco inteiro, tocaram alguns clássicos, como "Bull In The Heather" e "100%". Mas, como no Claro, também teve o momento do show em que eles cagaram para o público e se divertiram a fazer barulho para seu próprio entretenimento e dos fãs mais ardorosos, que viajavam junto. Muito simpáticos, voltaram para dois bis. Generosidade que eu, cansado e com o corpo todo dolorido, dispensaria.

Por volta das 2h da madrugada, fomos para o estacionamento, agradecendo a Deus por já termos colocado todas as coisas no carro. No caminho para Lisboa, paramos num posto para abastecer e dar uma cochilada. Eram pouco mais de 8h quando o Fabião me deixou em casa (é até engraçado eu me referir assim a um lugar a milhares de quilômetros do Brasil). Foi só o tempo de tomar um banho e vir para a agência. Se agora estou conseguindo aguentar o sono, sei que, depois do almoço, a coisa vai ficar feia. Mas ruim mesmo seria se eu tivesse 30 anos. O tranco seria muito pesado para alguém dessa idade.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A casa dos 30



"É minha última semana na casa dos vinte". Diante desse comentário, a amiga da Carol que estava no carro com nós dois, a quem eu tinha conhecido ontem mesmo, disparou: "Ué, mas você não acabou de se mudar para lá?" Entre gargalhadas, minhas e da nossa amiga em comum, expliquei à inocente moça que a tal casa não era o recém alugado quarto no apartamento que divido em Lisboa. Antes fosse. Quis dizer que, domingo, farei trinta. E não serão 30 flexões de braço, 30 origamis ou 30 jogos na Mega Sena. São 30 anos, mesmo. (Sempre existe o risco de mais alguém me interpretar errado.)

Os 30 anos são como a AIDS, o seqüestro relâmpago ou pegar mulher bonita: vocâ acha que só acontece com os outros. Eu também pensava assim, por isso, nem me previni. Ao invés de me trancar em alguma câmara de animaçâo suspensa, fui simplesmente vivendo. No mínimo, me esforcei para fazer isso da melhor maneira. Errei e acertei em proporções parecidas, aproveitei e disperdicei oportunidades, fiz amigos e inimigos. Claro, me arrependo de muita coisa - não vou cair no clichê do "só me arrependo do que não fiz". Mas quem mandou querer ter livre arbitrío? Escolher é tentativa e erro, e quem não souber disso é porque não leu as letras miúdas do contrato.

Me sinto um pouco cretino fazendo uma dissertação sobre os 30 anos, quando tudo o que o mundo menos precisa é de mais uma.Mas, francamente, se eu quisesse fazer algo de que o mundo realmente precisa, teria estudado medicina - ei, não quero ressucitar esse tópico sobre as "profissôes importantes e as desprezíveis"; sou um porco capitalista publicitário, e o emprego em que começo segunda-feira indica que o serei por mais um tempo. Escolhi o tema porque, bem, estando diante de idade tão emblemática, digamos que o tema me encurralou num beco sem saída e, com um soco inglês na mão, exigiu que eu o escolhesse.

Inclusive, fazer crônicas sobre os 30 e outras as coisas sem se preocupar com o que os outros vão pensar - não é, Sartre? - é algo que alguém nessa idade já deveria ter aprendido. Mas essa é mais uma das supresas que o fim da segunda década de vida nos ensina: você não chega aqui tão realizado e livre de paranóias e questionamentos como imaginava que estaria. Não sei você, mas, quando criança (e, portanto, idiota), acreditava piamente que minhas angústias se resolveriam magicamente aos 18 e, lá pelos 30, já teria alcançado o primeiro milhão - que nem sei se um dia alcançarei -, dinheiro que, supunha, daria para comprar a mansão que dividiria com minha linda família e minha Ferrari, mais linda ainda. Ao invés disso, estou em outro país, praticamente recomeçando minha carreira. Tenho sim uma linda namorada, mas só vejo Ferraris nas lojas da Avenida Europa - ou, mais recentemente, nas ruas do continente que deu nome à avenida paulistana.

Mas esses 30 anos me ensinaram, sim, um bocado de coisa. Apesar de continuar a aceitar doce de estranho e a atravessar sem olhar para os dois lados, aprendi a confiar mais em mim mesmo, para dizer o mínimo. (E é o mínimo mesmo que vou dizer, porque quero terminar isso antes de se acabarem os minutos a que tenho direito nesse cybercafé.)Aprendi, também, a deixar certos preconceitos de lado. Opa, opa, estou falando da aversão que sempre tive aos best sellers. Presença constante nas mesas das secretárias e divindido suas prateleiras com os volumes do Paulo Coelho, "O Caçador de Pipas", de Khaled Housseini, tem sido uma excelente surpresa. Comecei a ler ontem e, desde então, aproveitando meus últimos dias de vagabundagem, mal parei.

Agora há pouco, estava numa praça lisboeta, absorto no romance ambientado na capital do Afeganistão, quando sentou-se ao meu lado uma senhora muçulmana envolta em lenços, e seu filho, que trouxe à mente os protagonistas da história. "Só pode ser um sinal" - dessa vez, não consegui fugir ao lugar-comum. Era mesmo. Pulando e cantando em árabe com uma vozinha anasalada, o menino me avisava: "Você está cada vez mais velho e sem paciência." Bem-vindo à casa dos 30.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

De baixo do meu nariz




Todo mundo conhece alguém que, hoje moreno, diz ter sido loiro na infância. Já vi, inclusive, gente de coloração muito próxima à do Kunta Kintê jurar isso de pés juntos. É a mesma coisa com os olhos, que todo mundo já teve azuis ou verdes. Nesse caso, acho mais fácil de acreditar, vide o Hélio de La Peña, do Casseta, ou a minazinha indiana daquela capa clássica da National Geographic.

Se há um período da vida para alguém ser de fato e naturalmente ariano, essa fase é a meninice. É a ordem natural das coisas, em se tratando de cachos e pupilas: escurecem à medida que você envelhece e, depois que tiver envelhecido, voltam a ficar claros. Cabelos ficam brancos e olhos, por efeito da catarata, também.

Sou das poucas pessoas que nunca tiveram nem olhos nem cabelos claros - apesar de, quando pequeno, ter sido chamado de "galego" por um senhor de quem os Alcóolicos Anônimos devem ter desistido. Ao contrário do meu irmão que, de fato, já teve madeixas aloiradas, sempre fui moreno. Cabelos e olhos castanhos-escuros - talvez pretos, mas modestos demais para se admitirem assim.

Agora, com os trinta, é natural que alguns dos meus fios quase pretos fiquem cada vez mais distantes dessa cor (maldita ordem natural das coisas). Mas, além desse fenômeno prozáico, está acontecendo comigo outro, que mereceria a análise de cientistas, nem que para isso tivessem de deixar de lado a busca da cura do câncer. Mais de 25 anos depois do que seria comum, estou ficando loiro. Quer dizer, o meu bigode está. Não é branco não, é loiro mesmo. Ao contrário daquele senhor que me chamou de galego, eu sei exatamente como identificar um.

De uns tempos para cá, decidi deixar isso-que-eu-chamo-de-barba crescer. Então, além de trocados de pessoas que me tomaram por mendigo, recebi o convite para participar de um circo de aberrações. Quando pensei terem me confundido com uma mulher e por isso terem me feito a proposta, olhei-me no espelho e dei de cara com o buço loiro. "Coisa horrorosa!", já diria o dublador brasileiro do Gene Wilder. Era um bigode amarelo, tipo o do Leôncio do desenho do Pica-Pau.

Depois de muitas piadas e expressões horrorizadas (inclusive as minhas próprias ao me olhar no espelho), achei melhor raspar tudo. Agora, já consigo olhar o espelho sem me horrizar (tanto). Sinto-me mais jovem. Mesmo assim, penso em cultivar a barba novamente. O desemprego está tornando a oferta do circo de aberrações cada vez mais interessante.