terça-feira, 21 de novembro de 2017

Escritores, redatores

Numa entrevista, o Marcelo Motorola dizia que era injusto, os redatores de propaganda ganharem fortunas escrevendo apenas frases, enquanto os escritores, trabalhando muito mais, mal terem como se manter. 

Nem sei se a declaração era assim mesmo, mas o espírito era esse. Tem anos que li. Na época, eu mesmo começava a trabalhar justamente como redator de propaganda. Apesar de ele atacar o meu ofício -- ou talvez por isso mesmo --, simpatizei na hora com o Mirisola. Mesmo assim, nunca cheguei a ler um de seus livros, apenas trechos publicados em revistas.

Dia dessesum post patrocinado me informou do lançamento do seu último livro, hoje à noite. Resolvi ir. Na hora do autógrafo, eu disse que também escrevia. Pensando agora, me arrependo por não ter falado que, além de escritor, sou redator de propaganda. Teria sido engraçado. 

sábado, 18 de novembro de 2017

O Pai, a Filha e o Homem Vermelho

Entre mim e a minha casa, uma estação de metrô. Decido andar e, mesmo sem decidir, observar. Pouco mais de meio-dia, vejo um sujeito de vermelho sentado à mesa do bar posta na calçada. A mesa tem a cor de sua camisa, do São Paulo, do boné do mesmo time largado sobre ela e de suas bochechas, inchadas. Ao lado do boné, um copo de Coca-Cola, diluído demais para ser só refrigerante. O Homem Vermelho vira de lado e cospe, cuspe viscoso, batizado, demorado, um cuspe que não quer abandoná-lo. Passos adiante, um pai dá um sermão na filha. Entediada, ela olha para a frente. Seu olhar perdido encontra o cuspe inacabável do Homem Vermelho, retido nele pelo tempo da bronca do pai, também sem fim. Já em casa, tenho certeza, os três ainda estão lá: o Pai, a Filha e o Homem Vermelho.