quinta-feira, 31 de julho de 2008

Tente outra vez


Medida controversa a do governo. Desafiando os crentes e os crédulos, postulou oficialmente a não-existência da vida pós-morte. A conseqüência prática disso foi a criação do programa “Bola Extra”.

O programa funcionava como as máquinas de pinball a cujo o nome fazia referência: se você fosse merecedor, podia tentar de novo. Se você fosse um cara legal, mas, por alguma razão, sua vida tivesse dado errado, teria a oportunidade de recomeçar do zero. Você ganhava novo nome, nova cara, novo endereço e um novo passado, além de uma quantia razoável para dar início à nova existência. Não é preciso dizer que todo mundo quis usufruir do programa. Quando do lançamento, os primeiros inscritos eram aqueles que levaram um pé na bunda e aqueles cujo time tinha caído para a segunda divisão – não à toa, as linhas do serviço de atendimento ficaram congestionadas logo de cara. Mas não era para quem quisesse e quando quisesse. Você precisava se inscrever, pegar uma senha e aguardar a sua vez, o que geralmente levava um tempo. Passada a espera, uma junta analisaria seu caso e determinaria se sua vida realmente tinha dado errado, se não valia a pena tentar mais um pouco, se esse era o momento certo para abortá-la e, principalmente, se você era gente boa o bastante para merecer
mais uma tentativa.

No princípio, houve um certo favorecimento de familiares, amigos e de quem molhasse a mão dos membros da junta, mas não por muito tempo. O esquema foi descoberto e uma nova junta foi formada. Os membros da antiga foram destituídos e não tiveram direito à bola extra. Quando as coisas começaram funcionar como deveriam, chegou-se à conclusão de que poucas vidas realmente deveriam ser interrompidas antes do tempo e, daquelas que deveriam, o percentual de merecedores de uma nova tentativa era ínfimo. Ninguém conhecia alguém que tivesse desfrutado do benefício – o que podia se dever ao fato do programa ser de fato eficiente.

Depois de um tempo, diante das dificuldades de se obter a chance a mais, as pessoas começaram a tentar ser melhores para, assim, ser merecedoras. Como resultado, suas vidas também melhoravam e elas desistiam de candidatar-se ao programa, que, em algum tempo, foi cancelado.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Deus está nas orelhas de Tatiana

Tatiana tinha 27 anos e nenhum furo além daqueles com que havia nascido. Era a única de sua turma sem orelha furada. Talvez a única de sua geração, marcada pelo sem-número de piercings e brincos nas mais diversas partes do corpo.

Convicta, dizia que, se Deus quisesse que tivéssemos buracos nas orelhas, teria nos dados uns. “Além daqueles pelos quais escutamos, claro”, acrescentava, com o sorriso tímido.

Toda vez que ela entrava na farmácia, o farmacêutico Agenor, reparando nas pequenas orelhas imaculadas, sonhava com o dia em que Tatiana as ofereceria para a sua agulha.

Mas o dia nunca chegou. Tatiana era de fato convicta. Sem saber de sua convicção, no íntimo, Agenor concordou com ela. Deus não ia querer aquelas orelhas com mais buracos do que já tinham.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A vida em branco

- Oi...
- O-oi...
- Põe a mão aqui. Olha como meu coração tá acelerado... O que o senhor acha que é, doutor?
- Er... e-eu não sou médico...
- Então você é o quê, pai de santo?
- Não, farmacêu...

Antes chegasse às duas últimas sílabas, a bela morena já tinha ido embora. Não deixou rastro, só uma certeza: deveria ter tentado o vestibular para medicina mais uma vez. Mas é que a segunda opção parecia tão boa...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Dragão ou injeção?

- No braço?
- Não, na bunda.

- Na bunda?
- Não, no braço.

Cifras

Janes Joplin morreu aos 27. Jimmy Hendrix morreu aos 27. Jim Morrisson morreu aos 27. Kurt Cobain morreu aos 27.

Quatro anos de sobrevida indicam: não nasci para ser roqueiro.

domingo, 20 de julho de 2008

Silent and gray

O domingo chega, preguiçoso.
O domingo passa, preguiçoso.
O domingo vai embora.
Só para isso o filho da puta não tem preguiça.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Dom

Falava ao telefone com uma amiga, enquanto fazia as unhas.

- Quero uma carreira onde eu possa reunir minhas paixões, sabe?

Quando encontrou a tal carreira, não a largou mais. Faz quinze anos que trabalha no telemarketing de uma fábrica de esmaltes, feliz da vida.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Suíços não fabricam relógios biológicos

Cismou que tinha que casar. “É o relógio biológico, sabe como é”, limitava-se a responder aos que perguntavam a razão da pressa. Como com o relógio biológico não se discute, ninguém retrucava. Só achavam um pouco estranho aquilo vindo de uma menina de oito anos.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cremes faciais resistiriam a um ataque nuclear?


O que pode ser mais abjeto, mais infecto, mais sujo que uma barata? Talvez meu vizinho, que tocava o tema de "Tubarão" peidando, mas, como Alice não o conhecia, chegou à conclusão de que nada era mais repugnante que as cucarachas. Por isso, ao ver uma a balançar placidamente as antenas no seu banheiro, pensou, de modo um tanto elementar, que a forma mais eficiente de liquidá-la seria uma overdose de cuidados estéticos.

Um ser escroto daqueles não resistiria ao condicionador Lancôme e ao shampoo L’Oreal. O quê? Alice espantou-se ao notar que, após o primeiro ataque, o inseto continuou todo serelepe, mexendo as anteninhas em meio às borbulhas. Persistente na teoria, virou todo o creme facial Anna Pegova sobre o bicho: manteve-se lépido e fagueiro, ainda sacudindo alegremente as antenas. Sem se dar por vencida, alcançou o hidratante Clinique e esvaziou-o em cima da barata. Agora, sim, era o fim do inseto, indicavam suas antenas, finalmente imóveis.

Tão feliz por atestar a eficácia de seu método de extermínio de pragas, Alice nem notou que, dali por diante, pequenas quantidades de seus produtos de beleza desapareceriam sempre que deixados abertos.