sábado, 5 de maio de 2018

Fuga da MEGASTORE

Sabe a tal conveniência? Foi ela que me fez ir a uma dessas mega livrarias, num shopping perto de casa, ontem à noite. Precisando comprar um livro para animar um amigo hospitalizado, procurei a livraria mais próxima. Era aquela. A explicação parece desculpa porque é isso mesmo. Me senti culpado por entrar lá. Já havia estado ali, mas não lembrava de ser tão ruim.
Olhei para as prateleiras e vi que aquilo era tudo, menos uma livraria. Nem eles mesmos se dizem uma: são MEGASTORE. Tinham livros - afinal, qualquer pilha de folhas com texto impresso e encadernada é um livro -, mas raríssimos que valessem a celulóide. Autoajuda, religiosos, subliteratura distópica e pseudoerótica, titulos assinados por youtubers e promotores da Lava Jato. Pense numa aberração, e eu te garanto que eles tinham. Livro "livro", desses que a gente recomenda ou cita para "fazer charme de intelectual", pouquíssimos.
Diga que é bobagem, mas eu fiquei triste, abalado mesmo. Livrarias costumam ser lugares legais, onde gosto de passar horas. Daquela, mal podia esperar para fugir. Pode ser que a minha impressão tenha sido essa por eu insistir nesse negócio de escrever, e, naquele cenário, questionar a validade das horas empreendidas nisso.
Mas, como disse, havia uns poucos bons livros lá. Pareciam escondidos, reféns rezando para ser resgatados do cativeiro. Depois de muito procurar, numa contagem de tempo canina, consegui achar o que parecia ser um deles. Peguei, paguei e saí correndo. Sem olhar para trás, antes que os sequestradores se dessem conta.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Eu acho



No dia 12 de abril de 2013, eram cerca de 6h da manhã quando cheguei ao hospital de Barretos. A Rita já na sala de cirurgia. Encontrei o Rogério num corredor, diante de quadros de cortiça nos quais eram expostas fotos de bebês nascidos ali.
     – Olha isso – o Rogério me mostrava, um tanto assustado. Ao ver o aspecto de muitos dos nenéns e sendo, como meu irmão, uma pessoa malvada que não vê beleza em todas as crianças, logo entendi sua preocupação. 
     – Será que a Laurinha vai ser bonitinha? –, ele me perguntava.
     – Claro que vai –, eu respondia, sem muita convicção.
     Obviamente, desejávamos que ela nascesse bem e saudável, mas essa preocupação boba era a que nos afligia nos instantes que precediam o parto. Será que os registros dos outros atestavam o azar comum à maioria dos nascidos naquele hospital? Será que, mesmo com pais bonitos, a Laura ia...
     Um tempo depois, quando enfim vi a menina, o alívio: minha sobrinha era muito, muito bonitinha. Nada da cara de joelho que se diz comum a todos os recém-nascidos, que os parentes afirmam, por amor e pela convenção, ser linda. Tinha traços delicados, mas já definidos, todos bonitos de verdade. Ou podia ser que eu, como os parentes de recém-nascidos em geral, tivesse o julgamento turvado pelo afeto. Na dúvida, ainda sem abdicar por completo da malvadeza comum, eu e meu irmão nos perguntávamos: 
     – É linda, né?
     – Claro que é.
     Para a gente, ela era linda. Passados 5 anos, continua sendo. Não só linda. Simpática, divertida, amorosa, inteligente. E digo isso sem parcialidade: se minha sobrinha fosse o oposto, eu admitiria. Dificilmente escreveria textões afirmando e me orgulhando disso, mas, no íntimo, admitiria. Sorte nossa, e de quem convive com a Laura, que não é. Quer dizer, eu acho.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O gato morto de Salinger


Em 1997 ou 1998, a Folha de S. Paulo publicou uma série de reportagens de um jornal americano relatando a saga para entrevistar J. D. Salinger. Para quem não sabe, Salinger era quase tão famoso por ser recluso quanto por ter escrito “O apanhador no campo de centeio”. Eu não sabia. Em paralelo, a matéria fazia um perfil do autor, ressaltando, além da reclusão e da produção esparsa, a influência zen-budista na sua obra. Curioso, fui à biblioteca da faculdade e procurei “O apanhador…” . Clássico, devia ser fácil de achar. Nada.

Do Salinger, o acervo da Metodista só tinha outro, publicado no Brasil como “Pra cima com a viga, moçada & Seymour, uma introdução”. Mas o título daquela edição, americana, era “Rise high the roof bean, carpenter & Seymour, an introduction”. Tratava-se de uma cópia bem antiga, da década de 1950, quando a obra fora lançada. Não foi pela suposta grana que devia valer que pensei em ficar com o livro, ideia logo afastada pelo meu bom-mocismo. É que eu tinha gostado demais daquele livro, queria guardar para sempre suas palavras, o que acabou acontecendo, mas de forma menos literal. Mesmo sem depois ter comprado o livro, mesmo sem ao menos o ter lido de novo (em português ou inglês), me lembro bem dele. 

Me recordo com frequência de um trecho em especial, que citei ontem numa conversa. Desde então, fiquei com ele na cabeça e quis compartilhar. Procurei em português, mas, como a biblioteca da Metodista há 20 anos, o Google só me ofereceu o original. Mesmo duvidando que alguém vá ler, resolvi traduzir. 

“A Sra. Fedder fora assombrada por dias por uma observação feita por mim uma noite, num jantar, de que eu gostaria de ser um gato morto. Ela me perguntou num jantar na semana passada o que eu gostaria de fazer depois que saísse do Exército. Eu pretendia voltar a dar aulas na mesma faculdade? Eu pretendia voltar a dar aulas em qualquer lugar? Eu consideraria voltar ao rádio, talvez como um “comentarista” de algum tipo? Eu respondi que parecia que a guerra nunca acabaria, e que eu só tinha certeza de que, se voltasse a haver paz, eu gostaria de ser um gato morto. A Sra. Fedder pensou que eu estivesse contando algum tipo de piada. Uma piada sofisticada. Ela acha que eu sou muito sofisticado, segundo Muriel. Ela pensou que meu comentário extremamente sério era do tipo de piada à qual se devia responder com uma gargalhada leve, musical. Quando ela riu, acho que me distraí um pouco, e acabei esquecendo de explicar. Hoje à noite, eu disse a Muriel que, no Zen Budismo, um mestre certa vez foi perguntado sobre qual seria a coisa mais valiosa do mundo, e o mestre respondeu que era um gato morto, porque ninguém poderia dizer quanto vale um gato morto.”  

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Lei de ano novo

Sou cético, bem cético, põe cético nisso. Mas, mais que cético, sou bobo. Por isso, há exato um ano, criei uma "lei" de ano novo: o primeiro filme que se vê determina como vão ser seus próximos 365 dias. Lembro bem, fiz isso em interesse próprio, ao sair de uma sessão do excelente "Capitão Fantástico". 

Meio que funcionou. Se meu 2017 não foi tão inspirado, divertido e emocionante quanto o filme, também não posso reclamar. Agora, evoco essa "lei" mais uma vez em meu benefício. Acabo de ver "Meyrowitz", produção Netflix assinada pelo Noah Baumbach. Como em toda a obra do diretor, o filme mistura drama e comédia, sem exagerar na dose para nenhum dos lados. Tem um bocado de dor e lágrimas, outro tanto de cenas patéticas que causam risos constrangidos, mas também arranca sorrisos. É um belo filme, e melhora bastante do meio para o fim. 

Não é bem o que desejo para o meu 2018 -- em especial a parte das lágrimas e do constrangimento. Também não espero que só engrene de verdade lá para junho. O que quero, mesmo, é chegar ao fim do ano achando "putz, que legal, valeu a pena". Assim como senti ao terminar "Meyrowitz".