Nos horários
de pico, o transporte público de São Paulo fica especialmente interessante para
fãs de vídeo games old school. Nesses
períodos, coletivos e vagões convertem-se em versões tridimensionais do
clássico jogo Tetris. Só que, olha a ironia, quem era jogador agora reencarna
como peça: as formas aquadradadas dão lugar a pessoas que, como as peças
originais, giram e giram em busca do encaixe possível – proeza dificultada pelo
fato de muitas das peças carregarem mochilas, bolsas e malas despreocupadamente,
como se ao lado delas não houvesse outras peças encaixadas na marra.
Nesse Tetris
humano, por mais que o nível seja sempre hard,
muitos insistem em dificultá-lo
ainda mais. São pessoas que, mesmo espremidas ao ponto da imobilidade, fazem
questão de desafiar o aperto e mexer braços e mãos – para trocar mensagens no
celular, conferir o Facebook, jogar Candy Crush (metalinguagem pura: um
jogo dentro de outro) e, em raros casos, até mesmo ler. Sou desses últimos,
empunhando um livro como dá ou uma Piauí como não dá – a revista é maior e menos
maleável que um tabloide.
Mas, não se
engane, o jogo pode ficar ainda mais difícil. O complicador inusitado é a
trilha sonora. Vindo dos autofalantes de celulares que dispensam fones, o funk dá
saudade dos temas monofônicos que embalavam as aventuras do Irmãos Mario – e,
claro, o próprio Tetris –, guardando como única semelhança com eles a
repetitividade: “Lek, lek, lek, lek, lek...”
Resta aos
ouvintes involuntários a indignação, expressa entredentes ao desconhecido do
lado: “Como pode uma falta de respeito dessas? Não veem que estão incomodando
todo mundo com essa porcaria de música? Custava colocar uma porcaria de um
fone? Só um minuto, meu celular tá tocando... Oi, amor. Tudo bom? Tudo. Então...”
O cidadão de bem, ultrajado com a grosseria do funkeiro, fala mais alto para
conseguir encobrir o batidão e ser ouvido pela esposa. A conversa do casal se
estende para além da música, e só deixamos de acompanhá-la quando o metrô chega
à estação do sujeito de terno e ele sai, o telefone ainda grudado ao ouvido,
levando seus assuntos particulares para outro público. Certo ele: se a
operadora de celular oferece minutos ilimitados ao mesmo preço que meras duas
palavras, não aproveitá-los seria desperdício.
Levanto por
um momento os olhos da Piauí – que me esforço para manter minimamente distante
da cabeça da moça à frente – e penso: no Tetris da vida real, em transportes
coletivos e outros espaços públicos, mais do que formas, difícil mesmo é
encaixar individualidades.
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