segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Tetris no trem

Nos horários de pico, o transporte público de São Paulo fica especialmente interessante para fãs de vídeo games old school. Nesses períodos, coletivos e vagões convertem-se em versões tridimensionais do clássico jogo Tetris. Só que, olha a ironia, quem era jogador agora reencarna como peça: as formas aquadradadas dão lugar a pessoas que, como as peças originais, giram e giram em busca do encaixe possível – proeza dificultada pelo fato de muitas das peças carregarem mochilas, bolsas e malas despreocupadamente, como se ao lado delas não houvesse outras peças encaixadas na marra.

Nesse Tetris humano, por mais que o nível seja sempre hard, muitos insistem em dificultá-lo ainda mais. São pessoas que, mesmo espremidas ao ponto da imobilidade, fazem questão de desafiar o aperto e mexer braços e mãos – para trocar mensagens no celular, conferir o Facebook, jogar Candy Crush (metalinguagem pura: um jogo dentro de outro) e, em raros casos, até mesmo ler. Sou desses últimos, empunhando um livro como dá ou uma Piauí como não dá – a revista é maior e menos maleável que um tabloide.

Mas, não se engane, o jogo pode ficar ainda mais difícil. O complicador inusitado é a trilha sonora. Vindo dos autofalantes de celulares que dispensam fones, o funk dá saudade dos temas monofônicos que embalavam as aventuras do Irmãos Mario – e, claro, o próprio Tetris –, guardando como única semelhança com eles a repetitividade: “Lek, lek, lek, lek, lek...”  

Resta aos ouvintes involuntários a indignação, expressa entredentes ao desconhecido do lado: “Como pode uma falta de respeito dessas? Não veem que estão incomodando todo mundo com essa porcaria de música? Custava colocar uma porcaria de um fone? Só um minuto, meu celular tá tocando... Oi, amor. Tudo bom? Tudo. Então...” O cidadão de bem, ultrajado com a grosseria do funkeiro, fala mais alto para conseguir encobrir o batidão e ser ouvido pela esposa. A conversa do casal se estende para além da música, e só deixamos de acompanhá-la quando o metrô chega à estação do sujeito de terno e ele sai, o telefone ainda grudado ao ouvido, levando seus assuntos particulares para outro público. Certo ele: se a operadora de celular oferece minutos ilimitados ao mesmo preço que meras duas palavras, não aproveitá-los seria desperdício. 


Levanto por um momento os olhos da Piauí – que me esforço para manter minimamente distante da cabeça da moça à frente – e penso: no Tetris da vida real, em transportes coletivos e outros espaços públicos, mais do que formas, difícil mesmo é encaixar individualidades. 

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