terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Gigante, esse sedentário


O Gigante acordou. E foi andar. Com seu tamanho, só podia mesmo dar no que deu: bloqueou as principais avenidas com seus passos. Era só o Gigante passar para, mesmo onde o sinal estivesse verde, os carros pararem e lhe darem a preferência. As caminhadas do gigante, em pouco tempo, se tornaram frequentes. Como faz a maioria dos que começam a se exercitar, sempre que ia esticar as pernas, o Gigante postava nas redes sociais. Avisados, os motoristas passaram a deixar seus carros na garagem para abrir caminho. Também como fazem muitos iniciantes no esporte, porém, o Gigante não levou as caminhadas adiante. Disse que sua motivação ia além da simples perda de medidas, mas bastou sumirem uns vinte centavos para o Gigante voltar ao sedentarismo de sempre. Além do mais, começou a fazer muito frio, e o frio dá uma preguiça...

Enquanto o Gigante caminhava, eu corria. A prática, surgida no ano passado, virou hábito com o incentivo da nova namorada – corredora de longa data – e intensificou-se com o tempo adicional oferecido pelo desemprego. Quando o Gigante cansou e se refugiou no quentinho do edredon, eu continuei correndo sob chuva e temperaturas próximas do zero, sentindo-me Rocky Balboa se preparando para o confronto com Ivan Drago, na Sibéria. Com as gotas geladas, atingia minha cabeça uma certeza: se eu corria naquela situação, correria em qualquer outra. Se não me assustava com os termômetros no inverno, não pararia agora, em pleno verão, quando a cama não espera o toque do despertador para me expulsar. Perdi cerca de dez quilos, tão pesados quanto os R$0,20 que despertaram o Gigante, mas não a vontade correr.

O Gigante voltou para casa, e os carros, às ruas. Mas não o meu, que já estava na garagem antes mesmo dele pedir. Foi parar lá depois que o resgatei do pátio do Detran, para onde foi levado após a apreensão causada por minha habilitação vencida. Regularizei minha situação como motorista, entretanto, no tempo que levei para fazê-lo, questionei essa condição. Na época sem alternativa, fiz uso do transporte público. Hoje, mesmo com a carta em dia, continuo passageiro convicto. Morando ao lado do metrô, não vejo porque não. Graças ao passeio do Gigante, gasto R$6,00 por dia para ir e voltar do trabalho, menos do que gastaria com combustível. A compensação financeira, no entanto, não é a única. As viagens não são agradáveis, invariavelmente feitas em pé e no aperto, mesmo assim, comparadas às que fazia ao volante, são muito melhores. Quem dirige no trânsito paulistano está sujeito a um dos maiores congestionamentos do mundo e a motoristas também muito muito bem cotados no ranking da falta de educação. O tempo que se perde no trânsito não se resume às horas que se passa parado, boiando num mar de monóxido de carbono: é contabilizado na expectativa de vida, sem dúvida diminuída pelo stress resultante dessas jornadas motorizadas, quando não bruscamente interrompida pela bala disparada numa provável briga causada por uma fechada. Não ser afetado pela democrática ignorância do tráfego, comum a peruas de meia-idade a bordo de grotescos utilitários e apressados motoboys hidrofóbicos, requer uma paciência monástica, que eu admito não ter. E, como mostra o comportamento dos demais, ninguém tem. Então, se é assim, por que insistem em dirigir nessas condições?

Em junho, muitos desses motoristas caminharam nos passos do Gigante. Suas vozes ajudaram a compor a dele, que falava grosso ao pedir a revogação do aumento das passagens. E o fim da corrupção, e saúde de qualidade, e uma melhor educação, e mais segurança, e o fim da miséria etc. Mãos no volante e na buzina, eles continuam querendo tudo isso, desde que não lhes represente um incômodo. Em junho, postavam, orgulhosos, os registros da sua participação dos dias de protesto. Hoje, reclamam dos corredores exclusivos para ônibus, que, mesmo favorecendo a imensa maioria, dificultam a vida de quem tem todo o direito de dirigir o carro que, graças a Deus e a muito suor, teve condições de comprar.


A cada vez que caminho até a estação do metrô, numa velocidade muito maior que a dos carros por que passo, ratifico minha decisão de não dirigir. Se 2013 foi o ano em que me tornei um corredor e um pedestre convicto, 2014 pode ser o ano em que trocarei meu carro por outro, muito mais econômico, menos poluente e mais fácil de estacionar: o carro invisível. Duvido muito que o Gigante vá aderir a esse modelo. Com exceção dos passeios de junho, o Gigante não é muito chegado em andar.

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