domingo, 1 de dezembro de 2013

Lágrimas públicas

Sempre tive pena de pessoas que choram em público. Não pelo choro em si, mas pelo que quer que o tenha motivado. Só pode ter sido algo doloroso e urgente, que não admite esperar chegar em casa ou em qualquer lugar reservado. E o que é tão extremo a este ponto? O que é esse motivo sádico que nos humilha, que expõe em praça pública nossas fraquezas, ao escrutínio de estranhos que se questionam sobre o que nos fragilizou tanto? Mesmo quem não se envergonha de chorar, acredite, não gostaria de fazê-lo nessas circunstâncias. Todas as lágrimas que rolam escancaradas foram suprimidas ao máximo, ao insuportável.

Começam, muitas vezes, como um discreto nariz avermelhado, que pode ser confundido com um indício de gripe, e, quando vêm à tona, por mais sutis e silenciosas, são sempre escandalosas. Aconteceu assim com a moça ao meu lado no metrô, agora há pouco. Eram nem sete horas de domingo, muito cedo para estar no transporte coletivo. Muito cedo para qualquer coisa, especialmente para estar assim tão triste. Algo nela, ainda na escada rolante a caminho da plataforma, já tinha me chamado à atenção, e passei a acompanhá-la. Não era sua beleza, que não havia, não eram suas roupas, discretas, não era nenhum detalhe aparente – pelos critérios visuais, a passagem da moça loira e magra seria despercebida. Sua ausência de graça, porém, foi justamente o que me atraiu. Parecia desesperançada, abatida, entregue. Mas podia só parecer. Podia não passar de um personagem que eu criava para ocupar o tempo ocioso.

Uma amiga encontrou-a na plataforma e embarcaram juntas. Sentaram-se num banco próximo a mim que, protegido pelos óculos escuros, continuei a observar. Trocaram breves palavras, às quais não quis prestar atenção, e logo se calaram. Quando a loira colocou fones no ouvido, achei indelicado. Ao fazer isso, você sinaliza que não quer ser incomodado, e não é a mensagem mais bonita para se passar à única pessoa com que se está acompanhado. Em seguida, um olhar mais atento justificou a suposta indelicadeza e revelou outra, verdadeira: a amiga dormia, cabeça jogada para trás e boca aberta. O insensível ressonar de uma foi a deixa para a vermelhidão do nariz da outra converter-se no choro que anunciava. Era como se a amiga, a única na composição a quem conhecia, fosse a única ali de quem quisesse esconder algo. Seus olhos se alternavam, ora para baixo, ora para o nada, enquanto deles saíam as lágrimas, contínuas e silenciosas. Talvez por isso, o choro da moça não tenha chamado a atenção de mais ninguém, como ela mesma não teria chamado a minha não fosse o prenúncio desse mesmo choro.


Quando chegamos à minha estação, me levantei e, ao passar por ela, tive de me conter para não consolá-la. Se o fizesse, sublinharia as lágrimas que ela tinha se esforçado tanto para esconder, só pioraria as coisas. Além do mais, o que eu poderia falar? Não sabia no momento, mas sei agora. Escrevo, então, para ela nunca ler. Espero, moça, que, se o futuro lhe der razões para chorar – e isso, moça, é certo –, elas possam te esperar chegar em casa, no seu quarto e trancar a porta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Leal,

A lágrima só existe em público.

Ela pode ser reflexo de uma felicidade incontrolável ou a expressão da dor.

O choro solitário não é humano. Não comunica, não edifica e quase não se trata de emoção.

Para ser humano precisamos da conexão ( real ), do contado, das pontes.

As lágrimas comunicam!

Quero lágrimas em cada esquina.

Quero lágrimas e sons.

Quero lágrimas, quero lágrimas.....

Humanos são artificiais e o ser nunca ocorre no isolamento. Precisamos de um espelho composto em carne e músculos.

Quero lágrimas, quero lágrimas....

Vida embalada por emoções da alteridade.

lágrimas e mais lágrimas.

Sabe, o que mais importa é chorar!!

Abraços.

P E

Leandro Leal disse...

"Humanos são artificiais e o ser nunca ocorre no isolamento." Excelente. Me fez lembrar um trecho de "Fragmentos do Discurso Amoroso", do Roland Barthes. Dá uma olhada:

Os óculos escuros


ESCONDER. Figura deliberativa: o sujeito apaixonado se pergunta, não
se deve declarar ao ser amado que o ama (não é uma figura de
confissão), mas até que ponto deve esconder dele suas "perturbações"
(as turbulências) da sua paixão: seus desejos, suas aflições, enfim,
seus excessos (na linguagem raciniana: seu furor).


3. Impor a máscara da discrição (da impassibilidade) à minha paixão:
eis aí um valor propriamente heróico: "É indigno das grandes almas
espalhar ao seu redor a perturbação que sentem" (Clotilde de Vaux); o
capitão Paz, herói de Balzac, inventa para si mesmo uma amante falsa,
para ter certeza de esconder hermeticamente da mulher do seu melhor
amigo que morre de amor por ela. Entretanto, esconder totalmente uma
paixão (ou mesmo simplesmente seu excesso) não é conveniente: não
porque a pessoa humana seja muito fraca, mas porque a paixão é, por
essência, feita para ser vista: é preciso que se veja o esconder:
saiba que estou lhe escondendo alguma coisa, esse é o paradoxo ativo
que tenho que resolver: é preciso ao mesmo tempo que isso se saiba e
que não se saiba: que se saiba que eu não quero mostrá-lo: eis a
mensagem que dirijo ao outro. Lavartus prodeo: avanço mostrando minha
máscara com o dedo: ponho uma máscara sobre minha paixão, mas designo
essa máscara com um dedo discreto (e insinuante). Toda paixão tem
finalmente seu espectador: na hora de morrer, o capitão Paz não pode
se impedir de escrever à mulher que ele amou em silêncio: não existe
oblação amorosa sem teatro final: o signo é sempre vencedor.



4. Imaginemos que eu tenha chorado, por causa de algum incidente do
qual o outro nem mesmo se deu conta (chorar faz parte da atividade
normal do corpo apaixonado), e que, para que não se veja, ponho óculos
escuros nos meus olhos embaçados (belo exemplo de denegação: escurecer
a vista para não ser visto). A intenção do gesto é calculada: quero
guardar o benefício moral do estoicismo, da "dignidade" (me tomo por
Clotilde de Vaux), e ao mesmo tempo, contraditoriamente provocar a
doce pergunta ("Mas o que é que você tem?"); quero ser ao mesmo tempo
lamentável e admirável, quero ser ao mesmo tempo criança e adulto.
Agindo desse modo, jogo, arrisco: pois é sempre possível que o outro
não pergunte nada sobre esses óculos escuros, e que, na verdade, não
veja neles nenhum signo.