sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Eu corro pelo pastel

Sete horas da manhã de uma sexta-feira. O calor reduz um pouco o esforço necessário para se acordar às seis e meia depois de ter bebido algumas (poucas, mas suficientes para se fazerem sentir aos 36 anos) cervejas na noite anterior e você já está na rua, correndo. Não que esteja apressado, atrasado para o trabalho. Você corre porque tem que correr. Porque quer.

São sete horas da manhã, e, ao contrário de você, que ainda limpa a remela dos olhos, os feirantes já estão em plena atividade desde a madrugada. A banca de pasteis já deve ter servido algumas dezenas – de queijo, de carne, de calabresa, de escarola com queijo, seu favorito – para trabalhadores destemidos, de peito e estômago abertos ao desjejum oleoso, irrigado pelo caldo de cana vendido em outra barraca, estrategicamente ao lado. A crocância do pastel não escapa ao canto do olho, no entanto, o foco logo retorna para a frente, aonde suas passadas o levam. Minutos vão se acrescendo às sete horas. Você continua seu trajeto pelas ruas do bairro, suas sucessivas ladeiras. Em alguns momentos, tem de esperar a passagem dos carros para atravessar. Num desses momentos, por mais que você tenha esperado, por mais que tenha se certificado de que era seguro atravessar, um carro, surgido do nada, quase passa por cima de você. O susto lhe tira mais fôlego do que a corrida. Os gritos que você dirige ao filho da puta dão mais trabalho aos seus pulmões do que o ato de respirar. Mas a única maneira que o lazarento teria de interromper sua corrida seria te atropelando e, como ele só passou absurdamente perto de fazer isso, você continua.

Com mais da metade do percurso para trás, você se dirige ao parque a fim de completá-lo. O calor expulsou muitos da cama, como fez com você, e grande parte desses muitos, também como você, está no parque, consideravelmente cheio. Faltam apenas dois quilômetros, e, para percorrê-los, você não se importa de ter que desviar de alguns aposentados e gordinhas atrasadas para o “projeto verão”. Normalmente, você estenderia a corrida até sua casa, mas hoje é dia de feira. Além daquela por onde você já tinha passado, há outra, bem próxima ao parque. Atravessá-la correndo não é uma opção, então você vai andando e passa por mais uma barraca de pasteis. Sua velocidade reduzida dá ao aroma das frituras melhores condições para penetrar suas narinas, e elas aproveitam a deixa para reforçar o convite. Impávido, você continua. O chamado do chuveiro é mais persuasivo.
Minutos depois, a água quase gelada do banho faz sua mágica, você se veste e sai. São oito e quarenta e cinco. No caminho do metrô, você passa novamente pela feira, mas dessa vez não passa batido. “Um pastel, por favor. Um de escarola... Não, mudei de ideia. Hoje eu quero de pizza.”


Tem quem corra para superar adversários. Tem quem corra para superar limites. Tem que corra para ganhar medalhas. Eu corro pelo pastel.

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