quarta-feira, 12 de junho de 2013

A cena do museu



Há 27 anos, estreava nos cinemas americanos "Ferris Bueller's Day Off", conhecido por aqui como "Curtindo A Vida Adoidado" - mais um exemplo inequívoco da tradição brasileira de rebatizar pessimamente filmes gringos. Alguns anos depois, a saga de Ferris Buller cumpriria o destino apontado pela fanfarronice do título nacional e se tornaria o clássico-mór da Sessão da Tarde. Mas, antes disso, em 1989 se não me engano, assisti na Tela Quente, "pela primeira vez na TV". Desde então, figura na minha lista de favoritos.

Em homenagem ao aniversário da cabulada de aula mais célebre de todos os tempos, pensei em postar um dos seus memoráveis trechos. Entre todos, acabei escolhendo um menos engraçado, mas também menos óbvio. Numa breve pausa entre as curtições mencionadas no título brasuca, Ferris e seus comparsas se misturam às crianças de uma excursão (que, ao contrário deles, não faltaram aos seus compromissos escolares) para admirar as obras do Art Institute of Chicago - entre elas, a sensacional "Nighthawks", de Edward Hopper, e outras de Van Gogh, Renoir e Monet. Embalando o momento mais poético da comédia, uma igualmente poética versão instrumental de "Please, Please, Please, Let Me Get What I Want", dos Smiths. Como Ferris parece não ter dificuldades para conseguir tudo o que quer – fora o carro, no lugar dos quais os pais preferiram dar um computador –, suponho que o tema se refira ao introspectivo Cameron. O personagem, aliás, dentro dessa passagem pelo museu, protagoniza uma cena hipnótica e enigmática, em que se perde na observação do rosto de uma criança de
George Seurat. À medida em que a câmera se aproxima da tela, as pinceladas convertem-se em borrões, e os olhos de Cameron, mostrados em cortes alternados, vão ficando cada vez mais arregalados, como se ele estivesse sendo apresentado a uma verdade impensada. Talvez, um estágio anterior à epifania que viria adiante, com os chutes raivosos no para-choque da Ferrari do pai e sua sequente destruição.

É na cena do museu que Ferris se separa dos demais gazeteiros. Não é que ele fuja da escola por não dar valor à educação, à cultura e tudo o mais. Ele não é um boçal. É que, realmente, passar um dia maravilhoso como aquele dentro de uma sala de aula seria um desperdício.

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