Quando Renato Russo morreu, foi em paz. Se não com seus entes queridos
ou mesmo com suas questões internas, pelo menos comigo. Em 1996, no final da
adolescência, já tinha deixado para trás o preconceito que, durante boa parte
dessa fase da vida, me mantivera afastado da Legião Urbana. Descobri a banda na
infância, justamente na fase em que me descobri fã de música. Um pouco mais
velho, já me julgava muito sofisticado para continuar ouvindo suas letras, “óbvias
e piegas”, e suas melodias, “básicas demais”.
Tinha conhecido algumas das referências da Legião, entre ela e os Smiths
e o Joy Division, e optei pelos originais ingleses, que, como os guardas reais de
seu país natal, mantinham os brasilienses bem distantes do meu toca-discos. Renato,
com seu inglês impecável, levou anos, mas convenceu a mim e a nossos ídolos
mútuos de que poderiam habitar as mesmas prateleiras de CD. Ouvindo novamente
as canções de que já tinha gostado tanto – ainda com ouvidos críticos, mas
menos pretensiosos – reaproximei-me de “Andréia Dória”, uma das minhas
preferidas da Legião, e do resto do repertório da banda. Sim, as melodias eram
descaradamente inspiradas no rock produzido no mesmo período no Reino Unido –
experimente ouvir “I Want The One I Can’t Have”, dos Smiths, e depois “Quase
Sem Querer”. Correto, as letras muitas vezes se assemelhavam a um catado
aleatório de frases de efeito. Mas, combinadas, tinham um inegável encanto. Às
vezes panfletárias, às vezes chorosas, às vezes pitorescas, no reencontro
pós-hiato, as canções da Legião revelaram-se tão sinceras, sensíveis e
divertidas como quando as conheci. Meus amigos de infância mostravam que, mesmo
então, comigo entrando na idade adulta, ainda tínhamos assunto.
Esse papo que o Renato Russo tem comigo e com meus contemporâneos é
sobre o passado. Se ainda ouço suas músicas, sem dúvida, isso se deve à memória
afetiva. É quase certo que, se tivesse sido apresentado à Legião em outro momento
da vida, eu achasse (quase) tudo uma porcaria. Amigos mais novos acham. Minha
namorada, também mais nova, acha. Foi pela recusa dela em me acompanhar que
chamei o Rodrigo para assistir comigo a “Somos Tão Jovens”. Com a mesma idade e
gosto musical, eu e meu amigo dividíamos também o interesse em ver a
cinebiografia do moleque que viria a ser “o poeta de uma geração” e de uma das cenas
musicais mais importantes da história recente. Nossa expectativa com relação ao
filme era a mesma e, adivinhe, a impressão com que saímos da sessão coincidiu.
Quando entrei no cinema, sabendo que não veria nenhuma obra-prima e em
respeito à minha antiga amizade com a Legião, desliguei todos os sensores
críticos. Mas nem toda a boa vontade do mundo bastaria para ignorar as
interpretações tacanhas, bizarramente evidenciadas por um roteiro repleto de cenas
caricatas e diálogos forçados. Com um didatismo que beira a imbecilidade,
abusando das licenças poéticas, o diretor pontua momentos em que supostamente
teriam nascido clássicos como “Meninos & Meninas” – ao falar à melhor amiga
sobre suas preferências, Renato declama o refrão – e “Tédio (Com um T bem Grande
Pra Você)” – é exatamente com o título da faixa que o cantor se expressa sobre
a falta de opções do DF. Os personagens, são, sem exceção, rasos – ok, em
defesa do diretor, pode-se alegar que todos adolescentes são, mas até o profundo Renato? – e alguns vão além,
levando a gargalhadas involuntárias. Tente não rir com o sotaque do rebelde
Petrus, o filho do embaixador sul-africano que compunha a primeira formação do
Aborto Elétrico. E o que dizer do jovem Herbert Viana? Já que falamos em
risadas, como se explica a grotesca barba postiça do – esforçado, talentoso, mas
ainda assim incapaz de salvar o filme – Thiago Mendonça? Até a do meu antigo boneco
Falcon era mais realista.
Ao sair da sessão, trocando observações com o Rodrigo, tentei colocar na busca pela bilheteria a culpa pelas condenáveis escolhas do diretor Antonio Carlos de Fontoura, responsável por um filme não simplesmente acessível, mas burro. Meu amigo pôs minha teoria por terra ao lembrar de outra cinebiografia musical: “Dois Filhos de Francisco”. Mesmo tratando de artistas infinitamente mais populares, no número de discos vendidos e no apelo, o filme de Breno Silveira é, como cinema, também infinitamente mais interessante. Tanto que, além dos milhões de fãs de Zezé & Luciano, atraiu para as salas muitos que não o são exatamente – meu caso. Não sei quantos já viram “Somos Tão Jovens”, mas duvido que chegue aos mesmos números.
Ao sair da sessão, trocando observações com o Rodrigo, tentei colocar na busca pela bilheteria a culpa pelas condenáveis escolhas do diretor Antonio Carlos de Fontoura, responsável por um filme não simplesmente acessível, mas burro. Meu amigo pôs minha teoria por terra ao lembrar de outra cinebiografia musical: “Dois Filhos de Francisco”. Mesmo tratando de artistas infinitamente mais populares, no número de discos vendidos e no apelo, o filme de Breno Silveira é, como cinema, também infinitamente mais interessante. Tanto que, além dos milhões de fãs de Zezé & Luciano, atraiu para as salas muitos que não o são exatamente – meu caso. Não sei quantos já viram “Somos Tão Jovens”, mas duvido que chegue aos mesmos números.
Dito tudo isso, até que gostei de “Somos Tão Jovens”. Me diverti com as
peripécias do pequeno Renato. Mas menos do que teria se as tivesse assistido
aos 13 anos. Se bem que, durante alguns momentos do filme, foi exatamente essa
a idade que tive.
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