Em 1984, era muito novo para fazer parte da multidão que clamava pelas
diretas, que tenho vagas lembranças de ter visto na TV. Em 1992, vesti preto,
pintei a cara e, com as limitações de minha recém-mudada voz, engrossei o coro
que exigia o impeachment do Collor. Mas, em 2013, com o cinismo que acompanha
os anos, ergui a sobrancelha ao ouvir falar dos protestos contra o aumento das
tarifas do transporte coletivo paulistano. O que chegava aos meus ouvidos e
olhos, pelos veículos tradicionais, tratava de depredação de estações de metrô
e de latas de lixo em chamas. Depois, com a reação desmesurada da polícia na
contenção dos protestos, percebi que, não apenas as latas de lixo, a cidade
toda estava em chamas. Com os mártires criados pelas prisões arbitrárias e pelo
despreparo dos soldados da PM, o Movimento Passe Livre angariou a atenção e a
simpatia de muitos, que até então não cogitavam fazer parte de suas passeatas.
Este cínico aqui, inclusive.
Percebi que algo grande estava acontecendo, algo maior que a reivindicação
pela redução do preço das passagens – e até pela sua extinção, bandeira de uma
inocência quase colegial. Desde o “Diretas Já”, desde os “Caras Pintadas”, a
população não ia às ruas de forma tão massiva. Atraídos pela proposta do Passe
Livre ou não, milhares viram no chamamento ao protesto a possibilidade de
externar seu descontentamento com relação às causas mais diversas – corrupção,
impunidade, violência, inflação e outras, todas de alguma forma relacionadas ao
famoso “descaso das autoridades”. Qualquer um que se importe minimamente com os
rumos do país não pode se furtar a participar desses protestos. E quem o faça
perde o direito de reclamar. Como não quero perder esse direito, que exerço com
tanta desenvoltura, ontem estive na manifestação iniciada no Largo da Batata.
Somada a outras em diferentes pontos de São Paulo, calcula-se que tenha atraído
mais de 65 mil. Desta vez, não apenas a Avenida Paulista estava tomada – a
Avenida Faria Lima, a Berrini e a Nações Unidas (Marginal Pinheiros) também
estavam completamente tomadas. Até por isso, não se falava em outra coisa.
Manter-se alheio aos protestos não era uma opção mesmo para quem quis, já que
tudo na vida cotidiana estava interrompido ou influenciado pelos protestos.
E eles cresceram tanto que tornaram-se muito maiores que a gigantesca
São Paulo. Como aconteceu em 1992, quando a onda anti-Collor atingiu até mesmo
a interiorana Caruaru, onde eu morava, muitas outras cidades também se fizeram
ouvir. Em Brasília, a tomada da laje do congresso por centenas de manifestantes
gerou espanto internacional. Gerou, também, a excelente frase do meu amigo
Rogério: “ Nunca na história deste país, tanta gente bem intencionada esteve no
Congresso.” Emocionante, até mesmo para um velho cínico.
Serão os protestos passageiros? Provavelmente. Mas servem para mostrar
que ainda temos capacidade de indignação. É como se disséssemos aos políticos:
“Têm certeza que querem briga? Olha o tamanho da nossa turma.” E quem só adere
por modismo? Pode vir também. Quando passei dois dedos de tinta em cada
bochecha, aos 15 anos, hoje confesso, também foi por modismo. Mas estava lá,
fazendo número. Lembre-se: figurante não precisa saber atuar.
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