No começo da tarde, a academia que freqüento estava praticamente vazia.
Os poucos que lá estavam corriam nas esteiras e erguiam seu pesos sem emitir
maiores sons, além dos habituais grunhidos de esforço. Livre do
falatório de sempre, eu quase não lamentava estar sem meu iPod. Mesmo o som ambiente –
dance da pior qualidade, trilha comum em ambientes do gênero –, ao qual já me
acostumei, não incomodava tanto. Mas a minha paz duraria pouco mais que o
intervalo entre uma série e outra.
O silêncio foi preenchido pelo discurso indignado feito com abundância
de decibéis por uma mulher que, caminhando em uma esteira, acompanhava o
noticiário sobre as manifestações na TV (no mute, mas com as legendas do Closed
Captions). Sua voz não se levantava em apoio aos protestos: ela (quase) gritava
pelo fim deles. “Já encheu o saco. Já deu. Chega. Acho válido e tudo o mais,
mas deixou de ser positivo e começou a prejudicar. E quem precisa trabalhar,
como é que faz?” Essas e outras palavras, ditas em tom raivoso, ecoando por
entre aparelhos de musculação e espelhos, aumentavam muito o peso dos meus
halteres. “Cala a boca, cala a boca, cala a boca”, eu repetia baixinho e
inutilmente.
Cinquentona em forma, de cabelos loiros tingidos e botox, ela era o
estereótipo feminino da classe média
paulistana, inclusive no texto. Quer dizer, no texto que se esperaria de uma
pessoa como ela até antes das manifestações se tornarem a coqueluche do
momento. Ela mesma deve ter se declarado a favor do levante, em rodas de
conversas com as amigas. Talvez até tenha colocado uma bandeira branca na
janela do seu caro apartamento, ainda mais valorizado pela especulação
imobiliária. Afinal, pegava bem. Mas cansou, né, gente?
Como essa senhora, muitos simpatizantes de ocasião já devem estar
começando a retomar sua posição política habitual. Os que ainda não estiverem, não
demora muito, voltarão a se interessar apenas pelos próprios umbigos – que já
ficaram congestionados tempo demais por esses protestos. E assim, as
aglutinações ficarão cada vez mais ralas, os coros, cada vez mais baixos. Até
que ninguém mais se concentre, ninguém mais grite. (A não ser a meia dúzia de
chatos de sempre, os que costumam se reunir na frente do MASP e atrapalhar o
trânsito na Paulista aos sábados.)
A violência da minoria – como hoje a imprensa, já escaldada, faz questão
de frisar – também é outro fator que contribui para afastar os protestantes de
última hora. Pode até ser que os imbecis que tentaram invadir a prefeitura de
São Paulo e os que destruíram o patrimônio público em outras capitais não
representem o movimento, pode ser que tenham sido mesmo infiltrados com razões
escusas. Mas talvez o estrago já esteja feito, para além do que esses marginais
depredaram. Suas ações podem ter dado a desculpa que muitos precisavam para não
se unir à multidão. Hoje, ninguém está disposto a dar a vida por uma causa –
ainda mais uma tão vaga quanto esta –, nem ao menos a levar uma bala, de
borracha que seja. Depois dos excessos da semana passada, ontem a PM pegou leve
(estranho dizer isso) e foi por isso acusada de omissão. Vai querer responder a
essas acusações. Despreparada como é, imagine como vai ser essa resposta.
Tomara que eu esteja errado, que o modismo das manifestações não esteja,
por um motivo ou outro, passando. Gostaria muito que elas continuassem a
incomodar as autoridades. E, principalmente, aquela coroa mala da academia.
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