segunda-feira, 4 de abril de 2016

Long time


2004, 2005. Nesses tempos, eu e meus amigos tínhamos um blog de pretensões literárias chamado Morfina. A gente se divertia muito escrevendo crônicas para ele e, principalmente, nas festas que promovíamos com seu nome. Esses eventos quase sempre aconteciam nos fundos da Indie Records (sensacional loja de discos na Vila Madalena, infelizmente finada), onde havia bar, pista e aparelhagem de som. Eram abertos ao público, mas em geral só recebiam os colunistas dos blog e seus amigos e namorada(o)s. A renda arrecadada com a venda de entradas e bebidas mal dava para o aluguel do espaço, e olha que a gente bebia bem. 

O maior lucro era mesmo a oportunidade de juntar a turminha. Graças a uma dessas festas, por exemplo, a maioria de nós conheceu pessoalmente o Daniell, colunista carioca então ainda morador de sua cidade natal, vindo a São Paulo sob esse pretexto. No período de maior empolgação, as festas chegaram a ser mensais, e os colunistas disputavam entre si o privilégio de "pilotar as picapes" (expressão datada, cafona e, por isso mesmo, muito adequada). A cada festinha, dois de nós se responsabilizavam pelo som. Mas não pense que alguém ali era profissional -- exceção feita ao Barizon, mas não me recordo de tê-lo visto "atacando de DJ" (falando em expressões datadas e cafonas...). Nosso som vinha de dois CDs previamente gravados, sendo nosso único trabalho cuidar da transição entre faixas. Mas como era legal ser o DJ da vez. Era só assim que conseguíamos escutar certas músicas em um lugar público, na presença de amigos, e, olha só, ainda sendo os responsáveis pelo feito. Como dependia de uma coletânea já feita, o DJ da vez precisava selecionar a playlist com cuidado -- a música errada podia esvaziar a pista, e a margem de manobra era irrisória; era tocar o que se tinha trazido ou, no máximo, pular uma faixa. Não devia ser tão difícil agradar o público, já tão bem conhecido, mas às vezes rolava uma ou outra bola fora, geralmente quando se queria ser indie em excesso. Muitas músicas eu deixava de tocar por conta disso. Uma delas foi "Long Time Coming", do Delays. Achava que tinha potencial para a pista, mas não quis arriscar. 



Até que, um dia, quando era a vez do Rogério providenciar o som, me espantei ao ouvir justamente essa faixa. Filho da puta! Como ele teve a coragem de tocar a música que EU devia tocar? Exatamente por isso: porque teve coragem. Como esperava, a música nao foi muito bem recebida. Mas eu, em solidariedade com o amigo, me aproximei do DJ e cantei: "How can you grow old? You were my triumph!" Este refrão, que vem sendo tocado pela minha jukebox mental desde ontem, repetidas vezes, deu saudade do Morfina e de suas festas. Deu saudade do Rogério, que hoje mora em Florianópolis. Deu saudade de uma época em que a margem de erro só era pequena nessas ocasiões. Deu saudade.

Nenhum comentário: