No campeonato brasileiro de 2005, o Santos levou a sua
mais humilhante goleada – o “eterno 7x1” ainda hoje lembrado pela torcida do
Corinthians e por faixas que sempre levam ao estádio quando os times se enfrentam.
Estava num churrasco na casa de um amigo – “corintiano”, mas felizmente entre
aspas –, e não havia nenhuma televisão ou rádio ligado transmitindo o jogo. Não
ouvi rojões – surpreendentemente, já que estávamos em Diadema, região de
predominância da torcida adversária –, então, só soube do resultado no carro, a
caminho de casa, quando liguei o rádio. Minha namorada ficou assustada com a
minha reação. Espumando, quase perdendo o controle da direção, eu me perguntava
como os caras podiam ter feito aquilo à história do Santos. Depois, com a queda
do técnico Nelsinho Batista, ficou claro o objetivo escuso dos jogadores. O
único que parecia não compactuar com aquilo era Giovanni, indignado com o
placar e com a atuação dos colegas, preservando-se como o ídolo que sempre foi.
Depois daquilo, presenciei duas outras goleadas
históricas sofridas pelo Santos, ambas para o Barcelona. Na primeira delas, na
final do campeonato mundial, o time de Neymar e Ganso, campeão da Libertadores, foi atropelado pelo esquadrão de Messi, tido como um dos melhores de sempre.
Alvinegros entraram em campo respeitando (leia-se temendo) demais os espanhóis
e, mesmo os jogadores de quem mais se esperava, não corresponderam ao mínimo.
Na época, levantou-se a hipótese de nosso principal jogador já ter entrado em
campo pré-vendido aos adversários. Pouco mais de um ano depois, quando Neymar
foi de fato negociado com o time catalão, esse detalhe subterrâneo e antiético
foi confirmado. Havia um dinheiro envolvido no negócio desaparecido, mas, ainda
que a tal quantia fosse recuperada, o orgulho da torcida jamais seria. Sempre
há, no entanto, como se mostrou depois, um jeito de se piorar as coisas. Parte
da pagamento pelo maior jogador surgido nas últimas décadas em nosso país
envolvia duas partidas entre seu antigo time e o novo. Era parte de uma
estratégia de marketing para reposicionar o Santos no cenário internacional,
orgulhava-se a diretoria. No primeiro jogo, sem fazer muito esforço, o
Barcelona enfiou o dobro de gols que já havia feito menos de dois anos antes.
Como desculpa, podemos dizer que o Santos de então era um time em formação, a
imensa maioria garotos inexperientes. Mas usavam a camisa do Santos e,
portanto, eram o Santos, porra! O que eu e tantos santistas estávamos pensando foi expressado por Coutinho, um dos maiores ídolos do Santos, com quem tive a
oportunidade de conversar àquele dia, no bar onde foi organizado um evento para
a transmissão do massacre. O ex-jogador, cuja habilidade, mais do que o físico,
o fazia ser confundido com Pelé, fez uma análise parcial e mal humorada como
não costumamos ouvir de alguém na sua posição.
Aí, menos de um ano depois, um vexame ainda maior,
desta vez, não do Santos: do Brasil, único time para o qual torço além dele. Veio
com os mesmos números que ficaram estampados na faixa corintiana e na triste
memória santista. Outro 7x1, e esse 1 não pode ser chamado de gol de honra,
como gosta o jargão futebolístico. O empenho de Oscar, recompensado com o gol
solitário, não foi suficiente para recuperar os brios da Seleção, assim como o
chute de Geílson em nada aliviou a humilhação imposta ao Peixe por Tevez e sua
turma, em 2005. Ao lembrarmos do Santos naquele ano, podemos usar como duvidoso
atenuante a intenção do jogadores de derrubar o técnico. Se a derrota em
questão for a de 2011 para o Barcelona, sempre se pode culpar a submissão com
que a equipe jogou. Se falarmos da atropelamento do ano passado, a
responsabilidade pode ser atribuída à inexperiência do elenco – ou, ainda, à
inconsequência da diretoria, que, querendo, poderia ter evitado aquilo. Nenhuma
dessas explicações, porém, serve para o que aconteceu ao Brasil há dois dias. Felipão
tratava os jogadores como filhos, e nenhum dos “Scolaris” parecia ter vocação
ao parricídio. Nossa Seleção não se julgava absolutamente inferior à alemã. E mesmo
que houvesse alguns jovens na escalação, não dá para defini-los como
inexperientes.
Mas, se a diretoria da CBF, ao contrário da do SFC,
não tinha como evitar o confronto, isso não a exime de culpa. Um antigo chefe
dizia: “a culpa é de quem contrata”. E foi a diretoria da CBF quem contratou
Felipão, um técnico ultrapassado, e toda a sua comissão técnica, ainda mais
ultrapassada – entre idas e vindas, Parreira faz parte dos quadros desde 1970.
Por sua vez, foi essa comissão que contratou (convocou) todos os jogadores e os
preparou (mal) para a Copa: o choro descontrolado no jogo contra o Chile era o
prenúncio do outro, muito mais justificado, que viria após o flagelo alemão.
Foi essa comissão que não cansou de bater no peito e se autoproclamar favorita,
desafiando os códigos do futebol, que pregam a humildade – mesmo que falsa.
Foram eles, diretoria e comissão, que cometeram tantos erros que hoje você pode
ler em qualquer coluna esportiva, num tom de já “eu já sabia”.
Eu também já sabia. Como também sabia que o Santos não
seria capaz de vencer o Barcelona na final de 2011, como suspeitava da goleada
que viria no “amistoso” (por acaso existe espancamento amistoso?) de 2013. A
Seleção não estava jogando nada e, se com Neymar as chances não eram boas, sem
ele a coisa certamente pioraria. Mas acreditava – ou queria acreditar – que a
inferioridade tática e técnica, a falta de preparo adequado e a falta do craque
podiam ser preenchidas com outros excessos – de garra, de doação, de
comprometimento, de todos os clichês da autoajuda esportiva. Torci e torci
muito, mais do que normalmente. Sabia que, enquanto estiver vivo, dificilmente
terei a oportunidade de presenciar o Brasil conquistar a Copa em casa. Não foi
desta vez. Tudo o que eu e você já sabíamos abriu caminho para que apenas um
dos times da grande final dos sonhos estivesse realmente presente nela: nosso maior
rival, a Argentina.
Mas ainda continuo torcendo. Para que os 7x1 sejam
sempre lembrados, e que, com a cabeça eternamente inchada por esse placar,
venham as mudanças radicais de que a CBF e todo o futebol brasileiro tanto
precisam. Como também torço para que aconteça com o Santos. Para que os dois,
Santos e Seleção, não dependam da sorte que, vira e mexe, lhes fornece jovens
talentos, capazes de vencer o misto de desonestidade e incompetência com que
essas instituições são geridas.
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