segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

The Smiths, Balão Mágico, Trem da Alegria

Há 30 anos, eu tinha seis. Eram os anos 1980, e não um revival dessa década. Eram os primeiros dias de aula da primeira série. Já sabia escrever, mas estava começando a “escrever”: foi quando surgiram minhas primeiras redações, povoadas pelos lobisomens e vampiros dos quadrinhos de horror que adorava. Bem longe da  São Caetano da minha infância, em Manchester, um sujeito magrelo e topetudo mostrava ao mundo que ele, sim, sabia escrever. O primeiro autointitulado álbum dos Smiths revolucionava o cenário pós-punk com uma sonoridade única e uma sensibilidade poética poucas vezes vista. Mas nada daquilo me impressionou muito. Minhas preferências musicais estavam mais para Balão Mágico e Trem da Alegria.

Mesmo que, em 1984, eu já tivesse idade para me interessar pelo tipo de música feita por Morrissey & Marr, seria difícil ter contato com o disco no momento do seu lançamento. Muitos cronistas que escreveram a respeito do impacto deste LP nas suas vidas já falaram das dificuldades do acesso à música que não tocava na FM, e eu não preciso me estender nisso. Mas, por mais que demorasse, dificilmente seriam os sete anos que levou até eu conhecer o disco que se abre magistralmente com “Reel Around The Fountain”. Quando escutei o primeiro registro dos Smiths, em 1991, a banda não existia mais. Nem os anos nem o fim do conjunto, porém, havia enfraquecido o poder daquelas faixas. Fiquei tão arrebatado quanto os garotos ingleses da classe operária que as escutaram em primeira mão.

Talvez um pouco mais que a maioria, até. Sou dos tantos que, inspirados pelos Smiths, começaram bandas ou se arriscaram à poesia ou escreveram livros – fiz o último. Por uma dessas felizes coincidências, “Quem Vai Ficar Com Morrissey?” sairá num ano bastante especial para o sujeito de quem empresta o nome. Além de marcar o trigésimo aniversário do lançamento de “The Smiths”, 2014 é o ano do 55º do Morrissey, e também quando sua autobiografia será publicada em português. Meu livro fica, então, como mais uma pequena contribuição para este ano de comemorações.

Em função da data histórica, a NME dedicou sua mais recente edição aos Smiths. Entre as pessoas ouvidas pela reportagem, está Stephen Street, produtor do disco dos Smiths preferido pelos próprios, “Strangeways, Here We Come”. Street disse que considera impossível uma reunião da banda, embora ele, como tantos, gostasse de ver isso acontecer. Talvez eu, entre os fãs, seja o único que pense diferente. Morrissey, Marr, Rourke e Joyce foram uma formação brilhante, uma das melhores que o rock já produziu. Os dois “M” compuseram minhas músicas favoritas, e tiveram a ilustre companhia de excelentes músicos. Mas não há sentido em voltarem. Morrissey e Marr estão OK sozinhos. Moz tem uma carreira solo que dispensa comentários, enquanto Marr, com “The Messenger”, parece enfim ter cumprido a promessa anunciada nos discos com The Healers e outras bandas. Rourke e Joyce, desculpem, ocupam o lugar que merecem – se você leu a (sem dúvida ressentida) autobiografia do Morrissey, sabe do que falo. Um retorno seria como um flashback de um namoro que, em seu tempo, foi sensacional, mas que agora não faz mais sentido. Bandas, afinal, são relações. Mesmo as que duram “para sempre”, em certa altura, apresentam sinais de cansaço e só se mantém por inércia.

Os Smiths não precisam estar juntos para ser importantes. Assim como Shakespeare ainda é imprescindível séculos após sua morte. Os Smiths, diga-se, são mais influentes hoje do que há 30 anos. Há 30 anos, eu estava mais interessado nos discos do Balão Mágico e do Trem da Alegria.



Nenhum comentário: