“Tiago,
O Mackenzie (e o mundo) já tem babacas demais.
Leia bastante para não se tornar mais um.
Leia bastante para não se tornar mais um.
Um
abraço,
Do tio
Leandro”
Com
essas palavras gentis, dediquei ao meu sobrinho o livro “Heart of Darkness”, do
Jonh Conrad. A obra havia sido indicada pelo professor de antropologia e ele,
animado como só alunos do primeiro semestre da faculdade podem ser, havia me
perguntado se eu a tinha. Não, eu não tinha, mas, passando pela Fnac, vi uma
edição inglesa em promoção. Com apenas 17 anos, o Tiago domina o idioma bretão a
ponto de conseguir ler sem problemas um livro. Pelo menos, é o que ele me
garante. Deve engasgar com uma palavra ou outra, mas, na base da vontade e da
consulta ao dicionário, ele lê em inglês, e foi por isso que lhe comprei essa
edição.
O Tiago
é inteligente. E outro predicado não tão legal dele pode ser atribuído
justamente a esse: ele é muito autoconfiante. Um pouco demais, eu diria. Às
vésperas do vestibular, trocou maratonas de estudos por outras, de seriados de
TV. Aos conselhos dos pais e professores, preferiu os dos amigos, com quem
ficava o tempo todo no Whatsapp. Um comportamento que a São Francisco,
conceituada faculdade de direito da USP, não admite de seus pretendentes. Na
base do “também eu nem queria”, o Tiago aguardou o resultado da Mackenzie, que
tem festas melhores e processo menos seletivo. Veio a primeira chamada, mas não
para ele. A mãe dele, ficou compreensivelmente possessa. Eu tentei fazê-la ver
pelo lado positivo: um ano de cursinho daria uma lição de humildade ao moleque.
O alto custo dessa lição, entretanto, preocupava a Renata. Mas essa expectativa
não a aborreceu por muito tempo. Veio a repescagem e, dessa vez, a displicência
do Tiago foi recompensada. Conhecendo a
fama dos alunos da instituição – em grande parte, filhinhos de papai folgados –
e a admiração do meu sobrinho pelo seu estilo de vida, eu o adverti diversas
vezes, usando um texto parecido com o que escrevi na primeira página do livro
que lhe dei. A parte de ler bastante eu acrescentei especialmente para a
dedicatória, porque é nisso que eu acredito.
Quem não
lê, em geral, é preconceituoso, tem atitudes e opiniões tendenciosas e
superficiais, baseadas no pouco que conhece. Quem não lê é presunçoso porque, como
seu conhecimento restringe-se ao que o rodeia, ignora o outro e, ainda assim, supõe-se
melhor que ele. Quem não lê é onisciente e onipotente: mesmo não sabendo quase
nada, acha que sabe tudo e, exatamente por isso, também acha que pode tudo,
inclusive passar por cima dos outros, aos quais se acha superior. Releia as
frases anteriores trocando “quem não lê” por “babaca”. Incrível como faz
sentido, não? Acredite, não há coincidência nenhuma nisso.
Não que
todo mundo que não leia seja babaca, óbvio. Também não quero dizer que não haja
babacas com estantes forradas da melhor literatura. Mas não dá para negar:
letras são um ambiente hostil à babaquice. Para manifestar-se mesmo entre
livros, jornais e revistas, o gene babaca tem que ser dominante. Livros estão
para a babaquice como a vacina para a paralisia infantil: para evitar problemas
futuros, garanta que seu filho receba sua dose ainda bem pequeno.
Lendo na
infância, porém, também existe o risco do sujeito se revelar um babaca depois,
já crescido. Ao contrário da vacina contra a pólio, livros devem continuar a
ser ministrados por toda a vida, sob pena de perder o efeito. Sabe aquele seu
amigo do ginásio que, anos depois, você reencontra e descobre que virou um
babaca? É, pode ter acontecido com ele.
Estimulado
pela mãe, o Tiago sempre leu, desde pequeno. Espero que continue. Que leia
coisas novas, coisas diferentes, coisas desafiadoras. Nessa época da vida,
quando entramos na faculdade, nem todas as experiências inéditas que temos são
construtivas. Muitas podem fazer aflorar aquele gene babaca, até então
adormecido. Nesse caso, nunca é demais recomendar: leia, Tiago, leia.
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