quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Dedicatória


“Tiago,
O Mackenzie (e o mundo) já tem babacas demais.
Leia bastante para não se tornar mais um.
Um abraço,
Do tio Leandro”

Com essas palavras gentis, dediquei ao meu sobrinho o livro “Heart of Darkness”, do Jonh Conrad. A obra havia sido indicada pelo professor de antropologia e ele, animado como só alunos do primeiro semestre da faculdade podem ser, havia me perguntado se eu a tinha. Não, eu não tinha, mas, passando pela Fnac, vi uma edição inglesa em promoção. Com apenas 17 anos, o Tiago domina o idioma bretão a ponto de conseguir ler sem problemas um livro. Pelo menos, é o que ele me garante. Deve engasgar com uma palavra ou outra, mas, na base da vontade e da consulta ao dicionário, ele lê em inglês, e foi por isso que lhe comprei essa edição.

O Tiago é inteligente. E outro predicado não tão legal dele pode ser atribuído justamente a esse: ele é muito autoconfiante. Um pouco demais, eu diria. Às vésperas do vestibular, trocou maratonas de estudos por outras, de seriados de TV. Aos conselhos dos pais e professores, preferiu os dos amigos, com quem ficava o tempo todo no Whatsapp. Um comportamento que a São Francisco, conceituada faculdade de direito da USP, não admite de seus pretendentes. Na base do “também eu nem queria”, o Tiago aguardou o resultado da Mackenzie, que tem festas melhores e processo menos seletivo. Veio a primeira chamada, mas não para ele. A mãe dele, ficou compreensivelmente possessa. Eu tentei fazê-la ver pelo lado positivo: um ano de cursinho daria uma lição de humildade ao moleque. O alto custo dessa lição, entretanto, preocupava a Renata. Mas essa expectativa não a aborreceu por muito tempo. Veio a repescagem e, dessa vez, a displicência do Tiago foi recompensada.  Conhecendo a fama dos alunos da instituição – em grande parte, filhinhos de papai folgados – e a admiração do meu sobrinho pelo seu estilo de vida, eu o adverti diversas vezes, usando um texto parecido com o que escrevi na primeira página do livro que lhe dei. A parte de ler bastante eu acrescentei especialmente para a dedicatória, porque é nisso que eu acredito.

Quem não lê, em geral, é preconceituoso, tem atitudes e opiniões tendenciosas e superficiais, baseadas no pouco que conhece. Quem não lê é presunçoso porque, como seu conhecimento restringe-se ao que o rodeia, ignora o outro e, ainda assim, supõe-se melhor que ele. Quem não lê é onisciente e onipotente: mesmo não sabendo quase nada, acha que sabe tudo e, exatamente por isso, também acha que pode tudo, inclusive passar por cima dos outros, aos quais se acha superior. Releia as frases anteriores trocando “quem não lê” por “babaca”. Incrível como faz sentido, não? Acredite, não há coincidência nenhuma nisso.

Não que todo mundo que não leia seja babaca, óbvio. Também não quero dizer que não haja babacas com estantes forradas da melhor literatura. Mas não dá para negar: letras são um ambiente hostil à babaquice. Para manifestar-se mesmo entre livros, jornais e revistas, o gene babaca tem que ser dominante. Livros estão para a babaquice como a vacina para a paralisia infantil: para evitar problemas futuros, garanta que seu filho receba sua dose ainda bem pequeno.  

Lendo na infância, porém, também existe o risco do sujeito se revelar um babaca depois, já crescido. Ao contrário da vacina contra a pólio, livros devem continuar a ser ministrados por toda a vida, sob pena de perder o efeito. Sabe aquele seu amigo do ginásio que, anos depois, você reencontra e descobre que virou um babaca? É, pode ter acontecido com ele.


Estimulado pela mãe, o Tiago sempre leu, desde pequeno. Espero que continue. Que leia coisas novas, coisas diferentes, coisas desafiadoras. Nessa época da vida, quando entramos na faculdade, nem todas as experiências inéditas que temos são construtivas. Muitas podem fazer aflorar aquele gene babaca, até então adormecido. Nesse caso, nunca é demais recomendar: leia, Tiago, leia.

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