quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A morte tem dessas coisas



No cinema, eu lembrava o que a crítica dissera sobre o filme. Estava sozinho como a única estrela concedida na avaliação, responsável pela recusa geral aos meus convites. “Dizem que é um dos piores filmes já feitos, e mesmo assim você quer ver?” Amigos e namorada, meras caixas de ressonância dessa grande fábrica de papel de enrolar peixe. “Boa sorte”. Sim, sorte minha e azar o deles.

Aliás, azar de todos. A certeza de que presenciaria um clássico era minha única companhia naquela sessão. Ela e o suave cantarolar do projetor, perfeitamente audível na sala vazia. Logo, ao agradável canto, juntaram-se notas mais estridentes, vindas das gargantas de sopranos de ocasião, jovens indefesas, vitimadas pela rebeldia de quem não aceita a suposta ordem natural da vida. Mortos, recusavam-se a morrer e insistiam em se multiplicar, com indóceis e incessantes mordidas. Aqueles insurgentes tinham a minha simpatia. Desde pequeno, militava no seu partido, convencido pelo manifesto de Romero e Argento, muito mais sedutor para mim do que o de Marx e Engels.

Como as comunistas, essas fileiras também eram vermelhas, cor onipresente nas produções do gênero. O catchup, por mais evidente, para mim sempre era sangue. Filme de zumbi, eu sempre levei a sério. E os amigos – ah, esse gênero de desertores –-,viam nisso brecha para a pilheria. Incapazes de entender minha paixão pelo alimento dos vermes e dos insetos, riam dela. É só o que sabem fazer essas hienas. Era até melhor que não estivessem ali, com seus comentários dispensáveis. O coral de berros era tudo o que eu precisava ouvir. Em reverência, permaneci em completo silêncio até o “the end”.

Então, ainda em reverência, levantei-me e aplaudi. Foi quando ouvi um balbuciar, vindo da fileira de atrás. “Obllliga...” Mesmo com a omissão da última sílaba, presumi um agradecimento. Nó abaixo do queixo, virei para confirmar minhas expectativas. Um genuíno defunto andante? Um sujeito fantasiado? Enfartado, meu coração parou. Para ele, não importava. Como eu, sempre levou a sério os filmes de zumbi.

3 comentários:

"jovem debutante" disse...

"...meras caixas de ressonância dessa grande fábrica de papel de enrolar peixe..."

uhhhh rebelde!

Leandro Leal disse...

Jovem Debutante:

Rebelde, no caso, não sou, é o personagem.

Aliás, você, no auge da adolescência, também deve ser. :-P

"jovem debutante" disse...

:-P

pra vc!