quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A casa dos 30



"É minha última semana na casa dos vinte". Diante desse comentário, a amiga da Carol que estava no carro com nós dois, a quem eu tinha conhecido ontem mesmo, disparou: "Ué, mas você não acabou de se mudar para lá?" Entre gargalhadas, minhas e da nossa amiga em comum, expliquei à inocente moça que a tal casa não era o recém alugado quarto no apartamento que divido em Lisboa. Antes fosse. Quis dizer que, domingo, farei trinta. E não serão 30 flexões de braço, 30 origamis ou 30 jogos na Mega Sena. São 30 anos, mesmo. (Sempre existe o risco de mais alguém me interpretar errado.)

Os 30 anos são como a AIDS, o seqüestro relâmpago ou pegar mulher bonita: vocâ acha que só acontece com os outros. Eu também pensava assim, por isso, nem me previni. Ao invés de me trancar em alguma câmara de animaçâo suspensa, fui simplesmente vivendo. No mínimo, me esforcei para fazer isso da melhor maneira. Errei e acertei em proporções parecidas, aproveitei e disperdicei oportunidades, fiz amigos e inimigos. Claro, me arrependo de muita coisa - não vou cair no clichê do "só me arrependo do que não fiz". Mas quem mandou querer ter livre arbitrío? Escolher é tentativa e erro, e quem não souber disso é porque não leu as letras miúdas do contrato.

Me sinto um pouco cretino fazendo uma dissertação sobre os 30 anos, quando tudo o que o mundo menos precisa é de mais uma.Mas, francamente, se eu quisesse fazer algo de que o mundo realmente precisa, teria estudado medicina - ei, não quero ressucitar esse tópico sobre as "profissôes importantes e as desprezíveis"; sou um porco capitalista publicitário, e o emprego em que começo segunda-feira indica que o serei por mais um tempo. Escolhi o tema porque, bem, estando diante de idade tão emblemática, digamos que o tema me encurralou num beco sem saída e, com um soco inglês na mão, exigiu que eu o escolhesse.

Inclusive, fazer crônicas sobre os 30 e outras as coisas sem se preocupar com o que os outros vão pensar - não é, Sartre? - é algo que alguém nessa idade já deveria ter aprendido. Mas essa é mais uma das supresas que o fim da segunda década de vida nos ensina: você não chega aqui tão realizado e livre de paranóias e questionamentos como imaginava que estaria. Não sei você, mas, quando criança (e, portanto, idiota), acreditava piamente que minhas angústias se resolveriam magicamente aos 18 e, lá pelos 30, já teria alcançado o primeiro milhão - que nem sei se um dia alcançarei -, dinheiro que, supunha, daria para comprar a mansão que dividiria com minha linda família e minha Ferrari, mais linda ainda. Ao invés disso, estou em outro país, praticamente recomeçando minha carreira. Tenho sim uma linda namorada, mas só vejo Ferraris nas lojas da Avenida Europa - ou, mais recentemente, nas ruas do continente que deu nome à avenida paulistana.

Mas esses 30 anos me ensinaram, sim, um bocado de coisa. Apesar de continuar a aceitar doce de estranho e a atravessar sem olhar para os dois lados, aprendi a confiar mais em mim mesmo, para dizer o mínimo. (E é o mínimo mesmo que vou dizer, porque quero terminar isso antes de se acabarem os minutos a que tenho direito nesse cybercafé.)Aprendi, também, a deixar certos preconceitos de lado. Opa, opa, estou falando da aversão que sempre tive aos best sellers. Presença constante nas mesas das secretárias e divindido suas prateleiras com os volumes do Paulo Coelho, "O Caçador de Pipas", de Khaled Housseini, tem sido uma excelente surpresa. Comecei a ler ontem e, desde então, aproveitando meus últimos dias de vagabundagem, mal parei.

Agora há pouco, estava numa praça lisboeta, absorto no romance ambientado na capital do Afeganistão, quando sentou-se ao meu lado uma senhora muçulmana envolta em lenços, e seu filho, que trouxe à mente os protagonistas da história. "Só pode ser um sinal" - dessa vez, não consegui fugir ao lugar-comum. Era mesmo. Pulando e cantando em árabe com uma vozinha anasalada, o menino me avisava: "Você está cada vez mais velho e sem paciência." Bem-vindo à casa dos 30.

9 comentários:

ju leal disse...

eu tenho medo de músicas árabes! e mesmo ainda na casa dos vinte eu já teria matado o corizento garoto!

Renata Brasil disse...

Adorei suas divagações mentais, bom saber que inspirei com minhas pérolas um texto tão poético!
Wiki, vc vai longe!!!
( bem longe de preferencia...rsrs)
Re Brasil

Cris disse...

opa, opa, best sellers na mesa da secretária, ai, ai, que generalização é essa, sou secretária e nunca, (até hoje) of course, tive best sellers nem mesmo Paulo Coelho na minha mesa. Tem um Paulo Coelho na minha instante, mas cada vez que olho pra ele querendo descobrir porque tanta gente o "ama", me dá uma leseira....

Leandro Leal disse...

Cris: Puxa, não quis ser generalizador - tá bom, talvez um pouco, mas não existe sarcasmo sem uma certa dose de generalização. Falando em generalização, é exatamente por isso que tenho aversão aos best-sellers: se todo mundo gosta, alguma coisa deve estar errada. É o caso do Paulo Coelho, a quem eu já dei uma chance quando tinha uns 15 anos. Se eu não gostei naquele tempo, quando era bem menos exigente, por que mudaria de idéia agora? Mas, às vezes, vale a pena vencer o preconceito, como no caso do "Apanhador de Pipas". Um dos raros casos em que algo de qualidade consegue fazer sucesso.

Cris disse...

Em tempo é na estante e não instante, ai, ai...acho que foi a "raiva" (rs).
Hum, continuo desanimada quanto ao Paulo Coelho, só queria ter argumentos para debater sobre, hum, acho que ele vai esperar mais um cadin.
Pois é, o Apanhador de Pipas é um que quero muito ler, no meio da minha bagunça de leituras que ando fazendo espero ter tempo, olhe mude seu conceito quanto às secretárias...(rs)...

Leandro Leal disse...

Cris: Também em tempo, o nome do livro é "O Caçador de Pipas". Esse "Apanhador" saiu porque devia estar pensando no J.D. Salinger. Não tenho muito o que debater sobre o Paulo Coelho, além do seu discutível valor literário - em outras palavras, escreve mal e ponto. O que não é discutível, é o valor da conta bancária dele. Queria eu escrever mal assim.

Cris disse...

eita que eu fui na sua onda também, já li o apanhador no campo de centeio, confesso que não gostei tanto., apesar de ser um dos cults, não é? tem uma coisa que já é assim, já não vou muito com a carinha do Paulo Coelho, mas engraçado, até que a fase do Raul Seixas com ele já considero mais criativa...pois é, os "escolhidos" a fazerem suesso, poderiam ser de boa qualidade, but...

Leandro Leal disse...

Cris: Gosto muito do "Apanhador". Deve ser por ser um clássico adolescente e eu, um adolescente de 30. Concordo com você: o Paulo Coelho parceiro do Raul é tão bom, que parece ser outra pessoa. Pra onde foi todo aquele talento? Agora, dando continuidade à minha incursão pelo populacho, comecei a ler "O Código Da Vinci". Estou achando pessimamente mal escrito, mas, como o tema me interessa e pessoas que consideram recomendaram, vou em frente. Vamos ver se rende um texto...

Cris disse...

Hum, espero que renda um ótimo texto! Agora, se tá ruim demais, larga no meio...(Rs)!