Empatia não é das palavras
mais difíceis do nosso idioma. Ainda assim, a maioria não parece saber o que é.
Menos pela dificuldade de definir o termo do que pela incapacidade de colocá-lo
em prática.
Alguns exemplos cotidianos, “inocentes”,
servem para ilustrar meu ponto. Quem fura a fila. Quem estaciona na vaga
de deficiente. Quem embolsa o troco a mais. Quem destrata o garçom.
Nenhum desses tipos, tão comuns na fauna das metrópoles, parece se importar com
as consequências de seus atos para o outro. O único limite para suas ações
é uma provável sanção – se não houver possibilidade de multa ou cadeia, que se
foda. Outra coisa que incomoda alguns desses sujeitos é o julgamento alheio:
esses só fazem coisa feia se não houver gente por perto para recriminar. Para
outras pessoas, a punição por atos pouco louváveis também pode vir de
instâncias superiores – do céu, mesmo. Se, por um acaso, cedem o lugar para uma
velhinha no ônibus, não é porque se colocam no lugar da idosa, de pernas e
coluna comprometidas pelo peso das décadas. É porque "Deus está
vendo".
E quem não liga muito para esse
inferno representado pelos outros? E quem não crê na Suprema Câmera de
Segurança Onipresente? Em que esse cara baseia sua conduta quando não há
autoridades mundanas por perto? Se esse cara for eu, a resposta é: na empatia.
Era mais ou menos por aí a conversa que
estava tendo outro domingo de manhã. Teve de ser interrompida pela chegada da
hora do almoço. Minha família me esperava em São Caetano, então, chamei um
Uber. Saindo do Ipiranga, o aplicativo calculou: a corrida não duraria nem 15
minutos e não custaria sequer a mesma quantidade de reais.
Chegou o carro, e o motorista, um
simpático sujeito de 50 e tantos anos, logo advertiu: "O Waze tá dizendo
aqui para irmos pela Avenida Almirante Delamare, mas vou fazer outro caminho,
tudo bem?" Concordei. Conheço bem a tal avenida – no caminho para minha
cidade natal, atravessa uma favela. Sei de sua má reputação como ponto de
assaltos. Já tive pessoas próximas feitas vítimas e já presenciei crimes no
local, na TV e in loco. O motorista estava mais do que certo em não querer
passar por ali.
Quando nos desviamos da rota indicada
pelo Waze, ficou claro: o cara não conhecia nenhum caminho alternativo.
Como a maioria dos "uberistas", só sabia se orientar pelo aplicativo
que substituiu os antigos guias "4 Rodas". (Para ser sincero, também sou desses,
com a diferença de que não ganho a vida no trânsito.) O motorista ia se
enrolando e nós nos distanciando mais e mais. A quilometragem e o relógio
avançavam, a minha impaciência ia junto. O cara só podia estar de sacanagem. Todos
os xingamentos possíveis me subiam pela garganta, mas consegui freiá-los na
ponta da língua. Ou melhor, amenizá-los, transformá-los em reclamações não
dirigidas a ele, mas à situação: "o problema é que vou chegar lá e todo
mundo já vai ter almoçado" ou "a corrida vai sair bem mais
cara". Não fui além disso por pensar no sujeito lá, trabalhando num
domingo, no Uber, porque, de certo, as vagas para pessoas de mais de 50
anos são raríssimas no mercado de trabalho. Mesmo pelo menos 15
anos mais novo, poderia estar no lugar dele, como o Rogério, amigo da minha
idade, morador de Florianópolis, que, sem conseguir emprego, optou por
transformar o carro num Uber. Foi por esse amigo, aliás, que soube da
péssima remuneração desse pessoal. Ficar ouvindo grosserias de
passageiros, embora faça parte do "job discription", só deixa esse
dinheirinho ainda mais suado. Que o meu motorista ouvisse de outros, não
de mim. Ao invés de xingar, abri o editor de textos do celular e descarreguei tudo lá. Ele nunca vai saber o quanto o elogiei.
Por fim, uns 45 minutos
depois, chegamos. Constrangido, ele se virou para mim e me disse,
entregando um cartão: "Aqui tem o meu e-mail. Você me passa os dados
da sua conta, que eu transfiro a diferença". Ele se referia aos 45 reais
além dos 15 previstos. É, a corrida deu 60 paus.
Não lhe mandei nenhum e-mail com meus
dados bancários, nem pretendo. Mesmo que só por simbolismo, ao se oferecer para
me reembolsar, o "uberista" se colocou no meu lugar: imaginou o quão
puto ficaria se isso acontecesse com ele e que o mínimo a se esperar seria um
ressarcimento financeiro. Como eu ao conter minha raiva, ele exerceu a empatia,
repetindo algumas outras pessoas ao longo da minha vida profissional. Nesses anos
todos, por vezes eu me atrapalhei, fiz burradas compreendidas por chefes e
pares. Me ajudaram a repará-las, admitindo, sem precisar dizer, que eles
próprios poderiam ter cometido aqueles erros.
Pensando bem, talvez ainda mande um e-mail
para o motorista daquele domingo. Em vez do número da minha conta, é provável
que mande este texto. No lugar dele, eu gostaria de ler isto.