Alguns diriam que é a imaturidade,
mas eu destaco como a principal coisa que não mudou em mim desde a infância o
fato de ter as sextas-feiras como dia preferido. Sei que não estou sozinho
nesta preferência, como qualquer olhada desatenta pelas timelines das redes sociais pode comprovar. Mas duvido que a maioria
dos que postam coisas como aquele meme simpático da foca dentro de uma cesta (conselhando concentrar-se no sexto dia), tenha essa predileção antiga como a
minha. Por volta de 1984, 1985, 1986, o pequeno Leandro ansiava pela sexta da
mesma forma que o hoje faz o quase quarentão. Já naquela época, eu preferia a
expectativa (a sexta) à consumação (fim de semana).
Menos conscientemente
que hoje, temia a frustração consequente ou, as projeções otimistas se
cumprindo, que o sábado e o domingo passassem muito rápido – como em geral passam. As sextas, porém, contêm
encantos para além da função de antessala. Hoje, tem a cerveja do fim do dia, o
cinema, o jantar com a namorada, o começo de uma viagem ou, simplesmente, o
prazer da descompressão. Na época, os prazeres eram outros, ainda mais singelos
e menos variados: para mim, menino de classe média baixa, provinham da TV. Eram
tempos pré cabo, pré Netflix, pré Now, então o cardápio não chegava à
metade da primeira página. Era só Globo, Bandeirantes, Record, Cultura,
Manchete, Gazeta e SBT.
E era na sexta que a emissora do Seu Sílvio servia meus
pratos preferidos: uma sessão dupla, iniciada com um episódio da incrível série
de ação “Esquadrão Classe A” (com B.A/Mr. T, um dos maiores ícones daquela
década), que precedia adequadamente o prato principal:
sangue. Faixa dedicada basicamente a filmes de terror, “Sexta no Cinema” sempre
era garantia de sono perdido para mim e meu irmão. A abertura -- um plágio descarado da vinheta da 20th Century Fox -- encontrava a mim e meu irmão sentados diante da TV
cobertos com uma manta à espera dos (já então) clássicos filmes da
produtora inglesa Hammer, cultuada pelos fãs do gênero, como vim saber apenas
anos depois.
Meu irmão, mais velho e
mais medroso, levava a manta aos olhos a cada cena mais sanguinolenta. Já eu me
deliciava, quase tanto quanto Drácula parecia ao morder os belos pescoços das
donzelas vitorianas. Graças àquele Drácula, me tornei fã do personagem, que
passei a ler em histórias em quadrinhos e sobre quem com frequência escrevia, aproveitando o pretexto de redações escolares. Qualquer tema “Dia das Mães” bastava para
eu meter lá o elegante sanguessuga, que se alternava com outros colegas de
Hammer e de “Sexta no Cinema”, como a Múmia, Frankenstein ou o Lobisomem.
Ontem, quando me disseram
que morrera o ator que interpretara Saruman, o mago “do mal” d’”O Senhor dos Anéis”, eu
lamentei. Gosto da trilogia baseada nos livros de Tolkien. Mas fiquei triste mesmo
ao me dar conta de que o alterego do Saruman era também o do meu antigo
conhecido de infância.
Ia escrever algo ontem
mesmo, mas quis a falta de tempo (alguns chamam de destino) que minha pequena
homenagem ficasse para hoje, uma sexta. Christopher Lee morreu, mas, como até
uma criança sabe (eu sabia), Drácula é imortal.
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