Estava eu ontem, voltando para
casa no trânsito paulistano, que ignora horários e insiste em ser complicado
mais de duas horas depois da hora do rush – por aqui, são todas as 24. Numa das
estreitas ruas da Vila Olímpia, um acesso à Avenida JK, eu tentava encaixar o
meu entre os outros carros, esperando o que estava à frente evoluir para entrar
em seguida. Nisso, vejo a motorista do carro atrás daquele de cara feia,
praguejando algo que o vidro levantado não me permitia ouvir. Baixei e ela
gritou que "é um de cada vez, não tá vendo?" Nem respondi. Ela passou
e, no caminho, deu uma raspadinha no meu carro. Então eu disse, alto, mas não de
raiva, só para ela ouvir: "Quem não tá vendo parece que é você".
Ergueu o vidro e continuou seu caminho, cheia de razão.
Metros depois, já
estava virando na avenida quando o motorista do carro ao lado do meu, também
virando, não me viu. Resultado: uma batida bem mais séria que a de minutos
antes. Depois de dar um grito impróprio, baixei o vidro e vi que o outro saía
do seu carro. De terno e gravata e cabelo branco, tratava-se de um executivo e seu
carro era bem mais caro que o meu. “Como você quer fazer?”, perguntei. “Vamos
chamar a polícia”, respondeu.
Enquanto ele ligava,
olhei meu carro, com o para-choque quebrado, e o dele, com a lateral arranhada.
Propus: "Vamos fazer assim? Você cuida do seu, eu do meu... Afinal os dois
somos igualmente culpados", completei, já imaginando que ele rejeitaria a
sugestão. Mas não. "Quer saber? Nessas horas, o importante é que ninguém
se machucou. Fodam-se os carros", disse ele simpático, num sotaque que
denunciava sua origem estrangeira. Apertamos as mãos e cada um foi para o seu
lado. Fiquei pensando: “Ótima oportunidade para criticar os brasileiros (a
mulher) e elogiar os estrangeiros, não?” Não.
Sou brasileiro, cacete.
Se eu não fosse civilizado, jamais descobriria que o gringo também era. Imbecilidade
não é questão de nacionalidade, apesar de inúmeros compatriotas – entre eles,
os que adotam o discurso “os americanos não muito melhores” – fazerem questão
de demonstrar o contrário.
Para minha amiga nervosinha,
apenas um conselho: dirija com mais calma, com mais atenção ao que importa.
Fodam-se os carros.