Por razões econômicas, meu pai levava meu irmão e eu para comprar gibis
em bancas de revistas usadas. (Não confundir com sebos, estabelecimentos em
geral voltados a colecionadores. Íamos a essas bancas porque éramos realmente duros.)
Numa delas, nos deparamos com uma capa que chamou nossa atenção: trazia
Wolverine, um herói que já conhecíamos, mas numa versão grisalha. Garras e
dentes à mostra, ele defendia uma também envelhecida Kitty Pride, de expressão
apavorada diante de uma ameaça que não víamos. Atrás dos dois, cobrindo quase
todo o muro, um enorme cartaz de “procurados” trazia uma série de mutantes e,
acima de alguns, uma tarja dizia quais já haviam sido presos ou eliminados. A tensão da
cena dava a entender que, em breve, os dois x-men podiam engrossar esse número.
Compramos o gibi na hora.
Eu e o Rogério já havíamos lido outras histórias dos alunos do Professor
Xavier – nas quais já tínhamos visto os personagens daquela capa –, mas nenhuma
havia mexido com a gente como aquela, ambientada num futuro sombrio. Era parte
da saga “Dias de Um Futuro Esquecido”, que mal podíamos esperar para saber como
continuaria – e, também, como havia começado. Apesar do gibi ser usado, a
edição era recente, do mês anterior, e não tivemos muita dificuldade em
encontrar os números anteriores nem em, depois, continuar acompanhando. O
capítulo seguinte estava na última Superaventuras Marvel. Recém-publicada,
exigiria dos nossos pais uns cruzados extras, mas valia o sacrifício – deles,
claro.
Chris Claremont
e John Byrne, respectivamente roteirista e desenhista, dividem os créditos
desta série e de outra, tão marcante quanto: “A Saga da Fênix Negra”, que,
embora anterior, lemos apenas depois, também em gibis de segunda mão. Os dois
arcos de histórias contêm algumas das cenas mais icônicas e chocantes já
mostradas nos quadrinhos até então – e até hoje. Em “...Futuro Esquecido”,
testemunhamos Wolverine ser reduzido ao indestrutível esqueleto de adamantium por
um sentinela. Em “...Fênix Negra”, nos comovemos com o choro de Ciclope segurando
a falecida Jean Grey nos braços. A excelência comum equivale as duas epopeias,
até entrar em ação o critério de desempate, que para mim é o emocional, sempre.
Aí, você já sabe qual ganha.
Em 1986,
quando compramos aquela Superaventuas Marvel, ao mesmo tempo em que sonhávamos
com um filme dos X-men, eu e o Rogério logo nos dávamos conta de que seria
impossível. A gente sabia que os efeitos especiais jamais seriam capazes de
reproduzir, por exemplo, a pele de aço orgânico do Colossus. Nossa descrença cinematográfica
se estendia às também metálicas garras do Wolverine, aos raios do Ciclope, aos
poderes da Fênix... Pragmáticos como apenas crianças pobres que nunca
acreditaram em Papai Noel sabem ser, estávamos certos de que não viveríamos
para ver nossos queridos mutantes no cinema. O futuro viria a confirmar que
realmente Papai Noel nunca existiu, mas nos reservava coisa muito melhor que um
velho gordo puxado por renas voadoras.
E tudo bem se
já éramos adultos quando a trilogia dos X-men foi às telas: para provar que
nunca deveríamos ter duvidado do seu poder, o cinema nos levaria novamente à
infância com as fitas dos discípulos do Professor X. Aqueles filmes superavam
tudo o que julgávamos impossível nos anos 1980. Os efeitos eram incríveis, como
já se tornara default entre as mega produções, mas o que surpreendia mesmo eram
os roteiros – embora criticados pelos puristas de sempre, foram muito bem
sucedidos em transportar para as telas a alma dos mutantes, com seus conflitos (internos
e externos) e sua busca por coexistência, aceitação – e, no caso de Magneto & Cia, supremacia. Embora Wolverine tivesse passado de baixinho truculento a
galã, a essência dos personagens também estava lá – até a do próprio. O
crescimento do herói não foi apenas em centímetros: como já havia acontecido
nos quadrinhos, Logan rapidamente assumiu o protagonismo da série. Cresceu
tanto que, além de ganhar seus próprios filmes, acabou roubando o papel que
originalmente cabia a Kitty Pride em “Dias de Um Futuro Esquecido”. No último
filme dos X-men, é Wolverine, não ela, quem volta ao passado para tentar impedir
a criação dos sentinelas e o consequente extermínio dos mutantes.
O que também
cresceu muito com a sequência de filmes mutantes foram minhas expectativas quanto
à filmagem da minha saga favorita. Os anteriores tinham sido sensacionais, mas
este tinha que ser mais que isso. Na manhã do sábado passado, estava em frente
ao cinema do Shopping Paulista esperando sua abertura, para assistir ao
filme já na primeira sessão. Saí dela entusiasmado e disse para quem encontrei:
é o melhor filme de super-heróis já feito. Agora, quase uma semana depois, o
entusiasmo se mantém: sim, amigos, é o melhor filme de super-heróis já feito.
“Dias de Um Futuro Esquecido” traz o que a primeira trilogia tem de melhor
(inclusive o diretor Brian Singer) combinado aos elementos de “Primeira
Classe”, o ponto mais alto da cinematografia dos X-men até então. Foram feitas
dezenas de alterações em relação aos quadrinhos, evidentemente, mas todas
benéficas e plausíveis. Puristas, novamente, devem ter reclamado, mas do que
eles não reclamam? Aliás, por que eles ainda se dão ao trabalho de assistir às
versões cinematográficas?
O pequeno
Leandro certamente teria gostado, e muito. Só acharia injusto não ver nos
créditos os nomes dos ídolos Chris Claremont e John Byrne.
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