Há 30 anos, eu tinha
seis. Eram os anos 1980, e não um revival dessa década. Eram os primeiros dias
de aula da primeira série. Já sabia escrever, mas estava começando a
“escrever”: foi quando surgiram minhas primeiras redações, povoadas pelos
lobisomens e vampiros dos quadrinhos de horror que adorava. Bem longe da São Caetano da minha infância, em Manchester,
um sujeito magrelo e topetudo mostrava ao mundo que ele, sim, sabia escrever. O
primeiro autointitulado álbum dos Smiths revolucionava o cenário pós-punk com
uma sonoridade única e uma sensibilidade poética poucas vezes vista. Mas nada
daquilo me impressionou muito. Minhas preferências musicais estavam mais para
Balão Mágico e Trem da Alegria.
Mesmo que, em 1984, eu
já tivesse idade para me interessar pelo tipo de música feita por Morrissey
& Marr, seria difícil ter contato com o disco no momento do seu lançamento.
Muitos cronistas que escreveram a respeito do impacto deste LP nas suas vidas
já falaram das dificuldades do acesso à música que não tocava na FM, e eu não
preciso me estender nisso. Mas, por mais que demorasse, dificilmente seriam os
sete anos que levou até eu conhecer o disco que se abre magistralmente com
“Reel Around The Fountain”. Quando escutei o primeiro registro dos Smiths, em
1991, a banda não existia mais. Nem os anos nem o fim do conjunto, porém, havia
enfraquecido o poder daquelas faixas. Fiquei tão arrebatado quanto os garotos
ingleses da classe operária que as escutaram em primeira mão.
Talvez um pouco mais
que a maioria, até. Sou dos tantos que, inspirados pelos Smiths, começaram
bandas ou se arriscaram à poesia ou escreveram livros – fiz o último. Por uma
dessas felizes coincidências, “Quem Vai Ficar Com Morrissey?” sairá num ano bastante especial para o sujeito de quem empresta o nome. Além de
marcar o trigésimo aniversário do lançamento de “The Smiths”, 2014 é o ano do
55º do Morrissey, e também quando sua autobiografia será publicada em
português. Meu livro fica, então, como mais uma pequena contribuição para este ano
de comemorações.
Em função da data
histórica, a NME dedicou sua mais recente edição aos Smiths. Entre as pessoas
ouvidas pela reportagem, está Stephen Street, produtor do disco dos Smiths
preferido pelos próprios, “Strangeways, Here We Come”. Street disse que
considera impossível uma reunião da banda, embora ele, como tantos, gostasse de
ver isso acontecer. Talvez eu, entre os fãs, seja o único que pense
diferente. Morrissey, Marr, Rourke e Joyce foram uma formação brilhante,
uma das melhores que o rock já produziu. Os dois “M” compuseram minhas músicas
favoritas, e tiveram a ilustre companhia de excelentes músicos. Mas não há
sentido em voltarem. Morrissey e Marr estão OK sozinhos. Moz tem uma carreira
solo que dispensa comentários, enquanto Marr, com “The Messenger”, parece enfim
ter cumprido a promessa anunciada nos discos com The Healers e outras bandas.
Rourke e Joyce, desculpem, ocupam o lugar que merecem – se você leu a (sem
dúvida ressentida) autobiografia do Morrissey, sabe do que falo. Um retorno
seria como um flashback de um namoro que, em seu tempo, foi sensacional, mas
que agora não faz mais sentido. Bandas, afinal, são relações. Mesmo as que
duram “para sempre”, em certa altura, apresentam sinais de cansaço e só se
mantém por inércia.
Os Smiths não precisam
estar juntos para ser importantes. Assim como Shakespeare ainda é
imprescindível séculos após sua morte. Os Smiths, diga-se, são mais influentes
hoje do que há 30 anos. Há 30 anos, eu estava mais interessado nos discos do
Balão Mágico e do Trem da Alegria.