Minha família é de Pernambuco. Eu
não nasci lá, mas morei no Estado durante boa parte da vida. Sete anos não
parecem tantos quando se tem 36, mas, se levarmos em conta que esse período
compreendeu parte da minha infância e quase toda minha adolescência, 7 anos
são, sim, uma boa parte da vida – e, por que não dizer, uma parte boa. Os quase
20 anos que se passaram desde o fim da minha temporada pernambucana, acredito,
não diminuíram a propriedade que tenho para falar sobre a terra e seu povo. Além
de, de certa forma, me considerar parte desse povo, visito Pernambuco com alguma
frequência e mantenho importantes vínculos afetivos com o Estado. Além de parte
da família – inclui meu pai, que tem endereço local –, tenho por lá grandes
amigos.
Por tudo isso, digo sem medo de
errar: Pernambuco não é lugar de frescura. E isso não tem nada a ver com o
outro sentido que a palavra tem por aquelas bandas, onde sujeitos efeminados
são chamados pejorativamente de “frescos”. (Contrariando o estereótipo já em
desuso, há tantos homossexuais naquele Estado quanto em qualquer outro do
Nordeste e de outras regiões do Brasil.) Refiro-me ao modo direto como tudo
geralmente é tratado. As coisas por lá recebem o nome que têm. Se um amigo botar
a churrasqueira na laje, nunca vai te convidar para um churrasco na sua
“varanda gourmet”. Também não é costume local essa história de “happy hour”: em
Pernambuco, depois do trabalho – e, às vezes, durante –, o pessoal “toma uma”.
Cordeiro? Ôxe, por lá o que se come é bode! (Sim, sei que são animais
diferentes, e a principal diferença é que o bode é o cordeiro sem frescura.) E
nunca, nunca, você vai tomar suco de “tangerina” em Pernambuco, que lá a gente
chama essa fruta é de mexerica, seu cabra. Pelo menos, era o que eu pensava.
Não tinha medo de errar ao dizer
que em Pernambuco não tinha frescura. O que é ótimo, já que o erro veio, e eu
nem me assustei com ele. Há bem pouco tempo, na passagem de ano, estive lá e constatei,
decepcionado: a demão de verniz pseudo sofisticado que se derrubou sobre o país
cobriu até mesmo a terra dos meus ancestrais. Num restaurante em Tamandaré,
litoral do Estado, me deparei com um cardápio que tinha, entre as opções de
sucos, o de tangerina. Sim, de “tangerina”, e não de “mexerica”, que sempre
chupei quando lá vivi, e que continuo chupando. Minha decepção léxica se traduz
na prática. Ao perguntar sobre sucos de frutas regionais – a saber: siriguela,
umbu, cajá, mangaba etc. – ouvi: “Olha, natural, só de laranja e limão. De
outras frutas, só de polpa.” Eita, bixiga! Se não posso tomar um suco natural –
ou uma caipirinha – de frutas típicas de Pernambuco em Pernambuco, onde mais?
Temi pela essência de Pernambuco, diluída como a polpa dessas frutas, para dar
origem a sucos sem graça.
Exagero? E as pizzarias ocupando o lugar de restaurantes nordestinos? Claro, pernambucanos têm todo o direito de comer pizza – por borrachudas que as que comi por lá sejam –, mas à custa do que o Estado tem a oferecer de melhor em matéria de culinária? Sei lá. Talvez seja um jeito de se preparar para o turismo burro dos que, ao viajar, não procuram sequer conhecer a cultura local, buscando de cara sabores e experiências já conhecidas. Gente que vai para resorts e, se possível, não sai deles.
Exagero? E as pizzarias ocupando o lugar de restaurantes nordestinos? Claro, pernambucanos têm todo o direito de comer pizza – por borrachudas que as que comi por lá sejam –, mas à custa do que o Estado tem a oferecer de melhor em matéria de culinária? Sei lá. Talvez seja um jeito de se preparar para o turismo burro dos que, ao viajar, não procuram sequer conhecer a cultura local, buscando de cara sabores e experiências já conhecidas. Gente que vai para resorts e, se possível, não sai deles.
É, talvez seja mesmo exagero. Só
fiquei decepcionado ao constatar que Pernambuco não é o foco da resistência
contra a frescura que imaginei ser. Lá, hoje há as mesmas “varandas gourmet” e “paletas
de cordeiro” que existem nos bairros endinheirados e sem alma de São Paulo.
Lamentável. Vô Zezé, nascido e “morrido” em Caruaru, também ficaria aperreado.
Vô Zuzinha, “morrido” por aqui mas sem nunca ter se dobrado à frescura, vixe
nossa senhora.
Um comentário:
eu não vou em happy hour. Eu tomo uma. Belo texto, meu caro.
Abs, tércio.
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