terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O silêncio


Na rua do meu trabalho, há um restaurante “indiano”. Aspas porque o menu tem coisas que dificilmente fazem parte da cozinha tradicional do pais de Gandhi, como tacos mexicanos, almôndegas e lasanhas – todos preparados com substitutos da carne. O que caracteriza esse restaurante como “indiano”, além do fato de não utilizar como ingrediente o animal sagrado daquela nação, é a decoração e as roupas do staff. Nas paredes, elefantes de múltiplos braços e crianças azuis, remetendo a divindades; nos garçons, saiotes, que os desencorajam a sair do restaurante durante o expediente.

Frequentador ocasional do estabelecimento, além de já ter provado quase todo o cardápio pouco hindu, pude atentar a detalhes que passam despercebidos à primeira visita. Se, de cara, você percebe que a tiazinha do caixa, provavelmente dona do lugar, não é de falar muito, talvez não note um pequeno papel colado ao lado das máquinas de cartão de crédito. A frase escrita nele talvez ajude a justificar o comportamento lacônico da senhora atrás do balcão: “Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que teu silêncio.”

Quando, por volta da 13ª ou 14ª vez que almocei lá, vi o tal provérbio (sim, hindu), fiquei sem palavras. Sem trocadilhos, juro. Falador compulsivo e assumido, levei o pensamento comigo. Não o coloquei em prática na hora, nem o adotei como uma máxima de vida – umas pessoas bebem, outras fumam, eu falo – mas o levei comigo. Levei inclusive para a praia, onde passei a última semana: olhando o mar, fiquei calado durante inacreditáveis 15 minutos umas três ou quatro vezes.

Sempre admirei o Portishead por saber o valor do silêncio. Versão trip-hop de J.D. Salinger, sumido após “O Apanhador no Campo de Centeio”, eles gravaram dois discos – um genial, outro ótimo – e só. Mais de 10 anos se passaram sem noticia de novo álbum. A ansiedade pelo terceiro CD aumentava e, com ela, o culto pelo grupo. Gênios. Ano passado, eles anunciaram o fim do jejum sonoro. Se o silêncio vale ouro, o lançamento do Portishead seria pelo menos disco de platina.

Com o disco, vieram as criticas. Ao contrário do grupo de Bristol, os críticos falam muito e, muitas vezes, falam demais. Por isso, não acreditei nas primeiras resenhas sobre “Third”. Por via das dúvidas, hesitei para baixar o álbum. Não queria confirmar meus temores de que elas estivessem certas. Hoje, tomei coragem e baixei o disco. Se a banda traísse minhas expectativas, não queria ser o último a saber.

Antes permanecesse na ignorância. “Third” é tão chato que não consegui ouvir até o final. Não vou tecer análises técnicas nem estéticas, dizer que o trip-hop é um estilo datado (até porque vi um show do Massive Attack e gostei deveras), etc. Limito-me a dizer o que já disse: o disco é chato.

Sem dúvida, a turma do Portishead nunca foi ao “indiano”. E se foi, não reparou no papelzinho ao lado das máquinas de cartão de crédito.

4 comentários:

Luiz Gómez disse...

Como foi nesse blog que achei o link para o blog do Nick Hornby e como me parece que aqui reside um admirador do futebol, faço a questão de retribuir com uma indicação.

É o livro Veneno Remédio de José Miguel Wisnik. Ele me foi sugerido por um bom amigo. Comprei ontem e só de ler a introdução, já vi que vale o investimento.

Uma análise deste amigo, que leu e recomendou, pode ser encontrada em http://golgolgol.blogspot.com/2009/01/veneno-remdio.html

Saudações futebolísticas, mas não só!

Leandro Leal disse...

Obrigado pela dica, Luiz. Vou conferir a crítica do seu amigo e, eventualmente, o livro propriamente dito. Gosto muito de futebol.

Saudações alvi-negras (praianas, claro!)

Um grande abraço!

ju leal disse...

agora fiquei com a frase na cabeça, e como sua prima, ela sai da minha cabeça toda hora...então eu falo, nem que seja pra falar esta frase... hehehehe

Leandro Leal disse...

É, Ju, nossa família fala mais que a média... :-)