segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Genéricos

Um vazio tomou-lhe o peito e um pouco mais abaixo. Cansado de sentir-se oco, resolveu preencher pelo menos a ausência mais banal. Com sorte, tapeando o estômago, conseguiria também enganar o vizinho do andar de cima.

Pouco depois, estava no supermercado a escolher entre duas marcas de sorvete, ambas desconhecidas, como a maioria dos produtos da loja, popular. Se nas roupas e nos calçados mal dava atenção às etiquetas, a coisa mudava quando o assunto era comida: aí, se fosse para levar algo de qualidade duvidosa, preferia não comprar. Fiel a esse princípio, ia deixando o sorvete para trás, quando ouviu do bucho o aviso para voltar. A necessidade de glicose juntava-se à falta de dinheiro para sobrepujar o preconceito. Seis sorvetes ao preço de dois de uma marca famosa fizeram a frescura beijar a lona logo no primeiro assalto. Não esperou chegar em casa para provar o primeiro, que, sem a embalagem de design medonho, até tinha uma cara boa. E, olha só, o gosto também não era mau.

Enganado o estômago, não seria tão fácil com o coração. Pô, sorvete genérico? Se fossem umas covinhas no canto da boca, uma orelhinhas pequeninhas, bem desenhadas. Mas essas coisas, explicou ao músculo, não se vendem num supermercado, ainda mais num popular. A resposta foi uma ordem para ligar para ela. Já que ouvira a barriga, sentiu-se forçado a atender também a esse pedido. Depois, com o resultado da chamada longe do esperado, conveceu o coração a dar uma segunda chance para o picolé.

O chocolate camuflou o amargo que povoava sua boca, e isso o fez se sentir mal, um trapaceiro. Para além das metáforas baratas, o gosto ruim que faz-se sentir nas desilusões está previsto no regulamento das relações amorosas. Como um atleta usuário de esteróides, temia o antidoping e a conseqüente suspensão das competições por tempo indeterminado. As mulheres sempre afogam suas mágoas com quilos de chocolate, ele sabia, mas também sabia que, para elas, as regras são um pouco diferentes.

Queria reaver o asco, a vontade de vomitar e, para isso, correu ao bar da esquina. Pediu o que houvesse de mais forte e mais barato. Seu estômago reclamaria, sem dúvida, mas sabia que, como nas roupas e nos sapatos, nas bebidas, ele também não dava atenção para as marcas.

Um comentário:

ju leal disse...

AMEI! sensacional Le, li num piscar de olhos e fiquei com gostinho de quero mais, por favor, eu quero mais! dá mais? ou então eu vou ter que usar essa técnica do sorvete, hummm um sorvetinho de flocos cairia bem agora... mas depois ia querer a bebida sem marca e como tudo isso engorda e o fisico é um dos que causa o vazio eu não sei o que quero! pois é, eu fico com o sorvete, esse, pelo menos, tem um sabor doce =)