segunda-feira, 5 de março de 2018

O gato morto de Salinger


Em 1997 ou 1998, a Folha de S. Paulo publicou uma série de reportagens de um jornal americano relatando a saga para entrevistar J. D. Salinger. Para quem não sabe, Salinger era quase tão famoso por ser recluso quanto por ter escrito “O apanhador no campo de centeio”. Eu não sabia. Em paralelo, a matéria fazia um perfil do autor, ressaltando, além da reclusão e da produção esparsa, a influência zen-budista na sua obra. Curioso, fui à biblioteca da faculdade e procurei “O apanhador…” . Clássico, devia ser fácil de achar. Nada.

Do Salinger, o acervo da Metodista só tinha outro, publicado no Brasil como “Pra cima com a viga, moçada & Seymour, uma introdução”. Mas o título daquela edição, americana, era “Rise high the roof bean, carpenter & Seymour, an introduction”. Tratava-se de uma cópia bem antiga, da década de 1950, quando a obra fora lançada. Não foi pela suposta grana que devia valer que pensei em ficar com o livro, ideia logo afastada pelo meu bom-mocismo. É que eu tinha gostado demais daquele livro, queria guardar para sempre suas palavras, o que acabou acontecendo, mas de forma menos literal. Mesmo sem depois ter comprado o livro, mesmo sem ao menos o ter lido de novo (em português ou inglês), me lembro bem dele. 

Me recordo com frequência de um trecho em especial, que citei ontem numa conversa. Desde então, fiquei com ele na cabeça e quis compartilhar. Procurei em português, mas, como a biblioteca da Metodista há 20 anos, o Google só me ofereceu o original. Mesmo duvidando que alguém vá ler, resolvi traduzir. 

“A Sra. Fedder fora assombrada por dias por uma observação feita por mim uma noite, num jantar, de que eu gostaria de ser um gato morto. Ela me perguntou num jantar na semana passada o que eu gostaria de fazer depois que saísse do Exército. Eu pretendia voltar a dar aulas na mesma faculdade? Eu pretendia voltar a dar aulas em qualquer lugar? Eu consideraria voltar ao rádio, talvez como um “comentarista” de algum tipo? Eu respondi que parecia que a guerra nunca acabaria, e que eu só tinha certeza de que, se voltasse a haver paz, eu gostaria de ser um gato morto. A Sra. Fedder pensou que eu estivesse contando algum tipo de piada. Uma piada sofisticada. Ela acha que eu sou muito sofisticado, segundo Muriel. Ela pensou que meu comentário extremamente sério era do tipo de piada à qual se devia responder com uma gargalhada leve, musical. Quando ela riu, acho que me distraí um pouco, e acabei esquecendo de explicar. Hoje à noite, eu disse a Muriel que, no Zen Budismo, um mestre certa vez foi perguntado sobre qual seria a coisa mais valiosa do mundo, e o mestre respondeu que era um gato morto, porque ninguém poderia dizer quanto vale um gato morto.”  

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembro que li esse livro quando tinha 20 anos e fazia publicidade no Senac... quando comentava com alguém da escola que estava lendo, sempre me olhavam com cara de espanto... seria medo de me tornar uma serial killer? Rsrsrs
Li
Ps. Acho muito interessante suas anotações mentais!