sábado, 30 de dezembro de 2017

Cat Person*


O que faz de alguém uma Pessoa Gato ou uma Pessoa Cachorro? Preferir um dos dois bichos ou se identificar mais com um do que com outro? Qual seja o critério, sempre me coloquei no Time Cachorro. Vira-latas, Freeway e Frida foram meus companheiros de infância e adolescência, e, sempre que pensei num animal para ocupar esse posto, felinos não eram uma opção. Nunca vi sentido num animal de estimação que não fosse bobo, desastrado, carente e barulhento como eu. Que graça tem um mascote que não atende quando você chama, que é tão discreto e na sua que você até se esquece dele? Peixes são exatamente assim e dão menos trabalho. Precisei de 40 anos para mudar de opinião. E de time.

Neste fim de ano, meu irmão viajou com a família, eu não. Vizinhos, ele me pediu para, de vez em quando, ir à casa dele colocar água e comida para a Chiclete -- que, bem ao estilo felino, se permitiu adotar por eles. Ontem, fui pela primeira vez. Nem sinal da gata. A  ração e a água deixadas, intocadas. Comecei a procurar. "Chiclete, Chica, Chiclete". Cada cômodo verificado, todas as portas de guarda-roupas abertas. Nada. Mesmo confiando na independência felina, fui embora preocupado. A bichinha, afinal, já estava domesticada. Na rua, o que comeria? Como entraria em casa se todas as portas estavam trancadas? Pensei nisso o dia inteiro. Voltei outras vezes, na esperança de encontrar Chica aguardando à porta da sala, e me frustrei novamente. Se ela dormisse na rua, eu não conseguiria dormir.

Já era tarde quando peguei minha escova de dentes e fui à casa do meu irmão pela última vez, disposto a passar a noite lá, à espera de Chiclete. Mal sentei no sofá, ouvi um miado. "Chiclete, Chica, Chiclete". Nada na porta dos fundos, nada na porta da entrada, nada na garagem. Abri todos os quartos, até ela sair de um, daqueles que antes eu havia revirado. Saiu em silêncio, como se nada tivesse acontecido. Canino, pulei, lati, comemorei, feliz como não imaginei que um gato me deixaria. Felina, ela se manteve blasé, mas não totalmente. Em seguida, veio se esfregar em mim, retribuindo a preocupação.

Passada a breve interação, fomos dormir, cada um no seu canto. Agora de manhã, enquanto escrevo, ela está deitada aos meus pés, mas só porque eu a trouxe. O máximo que ela fez foi se permitir ficar. Se Chiclete me converteu, ao menos na preferência, numa Pessoa Gato, ela mesma continua a ser o que sempre foi.

*(Nada a ver com o polêmico conto homônimo publicado esses dias pela Mês Yorker. A escolha do título foi puro oportunismo.)

Um comentário:

Anônimo disse...

Tentei incutir na mente de laura, sem que os pais ouvissem, baixinho, no ouvido: laurinha, os gatinhos não podem ir pra rua. É perigoso.


Talvez Chiclete não saiba mais viver sem liberdade de felino vadio.

J.J.