sábado, 13 de novembro de 2010

A piscina de Lars Von Trier


Fora o gosto pelo álcool, compartilho com o presidente Lula o apreço pelas metáforas. O recurso lingüístico, muito bem empregado por ele, facilitou sua comunicação com as massas. Temas arenosos como superávit primário, por exemplo, encontraram correspondência no futebol, também por exemplo, e puderam ser (quase) compreendidos pelo povão. Muitos fazem graça da simplicidade – e dos erros de português – do discurso do Lula, mas eu insisto: o cabra fala bem.

Minhas metáforas, por outro lado, têm outro objetivo, bem menos nobre. Servem apenas para ilustrar alguns raciocínios e considerações. Como não poderia deixar de ser, o habitat natural delas é o bar, onde nascem, crescem, se reproduzem e parecem nunca morrer. Parecem as empadas de um bar que eu e meus amigos freqüentávamos: como os salgados, trazidos pelo garçom sem ser pedidos, minhas analogias surgem do nada para acompanhar a cerveja. São tão inevitáveis que, até para falar delas, já utilizei algumas.

Numa dessas tantas incursões etílicas, a respeito da minha escolha pela intensidade como modo de viver, eu disse: “A vida é como uma piscina. Você pode viver só no rasinho, com água até as canelas. Não tem risco, mas também não tem graça.” Agora há pouco, assisti a “O Anticristo”, um dos filmes mais perturbadores que já vi, e essa comparação me veio à cabeça.

Lars Von Trier não gosta de aliviar. O seu cinema não é entretenimento leve para tardes de sábado e, se você quiser assisti-lo numa tarde de sábado, que esteja ciente do risco envolvido. Minha intenção inicial era vê-lo à noite, durante a semana, mas não deu. Por isso, entre estragar a tarde do mais agradável entre os sete dias e devolver o DVD sem assistir... É, talvez tenha decidido mal, mas assistir à noite, como deveria ter feito, e dormir depois também não seria muito fácil.

Talvez você diga que, se é assim, o melhor seria ter deixado esse filme quieto na prateleira da locadora. Mas é aí que entra o negócio da piscina. Como é tradição entre os filmes do realizador, desde seu surgimento com o Dogma 95, “O Anticristo” nos puxa pelo braço e nos leva para as águas escuras do fundo da piscina – e da natureza humana. Exatamente como acontece quando vamos muito fundo, ficamos tontos e sem ar, querendo desesperadamente emergir.

Durante o filme, não foram poucas as cenas que pensei avançar, mas tenho por hábito ver tudo, mesmo que seja constrangedor, mesmo que seja repulsivo, mesmo que seja horroroso. Nos filmes e na vida, não fecho os olhos. Do contrário, eu permaneceria no rasinho e “O Anticristo”, na prateleira.

Agora, com licença, preciso levar o DVD na locadora. E colocar a cabeça para fora para recuperar o fôlego.

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