sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vira-latas jogam vídeo-game durante o carnaval


Quarta-feira de cinzas. O corpo cobrando a fatura dos dias mal dormidos e bem bebidos do carnaval carioca, eu voltava com o Sérgio e o Costela rumo à nossa realidade, nem de longe tão divertida quanto a que abandonávamos. Sentado no banco de trás, folheava o suplemento dum jornal local, quando deparei-me com o clássico “dicas para quem quer ‘pular’ o carnaval” (óbvio, era publicação anterior ao feriado). Depoimentos de gente que tem aversão à folia de momo. Mesmo estando num dos principais focos da festa, essa turma – de pele propositadamente branca, para fugir ao padrão local – adiantava que se refugiaria nos cinemas, nos shows de rock e, meu Deus, até no vídeo-game. Para esse povo, a coisa só começa a ficar boa a partir do fim do desfile das campeãs, quando já não sobrarem nem as cinzas do festerê.

Vendo a expressão de tédio dos entrevistados, aquele olhar ridículo perdido no nada, diversas vezes eu quis soca-los. E diversas eu os soquei – se é que dá para dizer que, socando o jornal, eu os socava. Acabava de passar meu primeiro carnaval no Rio e, mesmo decorrido tão pouco tempo, já o classificava como o melhor de sempre. Assim, como aquele pessoal, de idade e gostos tão próximos aos meus (odeio admitir isso), poderia não curtir aquela bagunça genial? Talvez você também não seja fã de carnaval, eu entendo, mas, antes de resumir o meu ponto de vista à questão de gosto, deixa eu terminar de falar, mal educado.

Se me permite chover no molhado (engraçado: alguém que diz que vai chover no molhado, já o está fazendo antes mesmo de começar), o carnaval é um estado de exceção, é uma licença poética para se fazer o que bem entender. É mais ou menos como uma guerra civil: só que, ao invés de quebrar vitrines e violentar mulheres indefesas, as pessoas só quebram protocolos, e as mulheres, longe de serem indefesas, só se deixam “violentar” por quem quiserem. Homens vestem-se de mulher e, bem, mulheres se vestem de mulher mesmo. É diversão garantida ou seu dinheiro de volta – a menos que você, bêbado, o tenha perdido em meio à balburdia.

Nunca li Darcy Ribeiro ou Sérgio Buarque de Holanda, mas aposto que, em suas obras, fundamentais para o entendimento do “ser brasileiro”, eles referem-se ao carnaval como a expressão máxima da alma nacional. (Se não se referem, poderiam colocar essa minha frase em alguma das revisões dos livros. Juro que não cobraria créditos.) Tanto é assim, que muitos dos lugares-comuns associados ao nosso povo são, de alguma forma, relacionados à essa festa: a mulata, o samba, a alegria, a irreverência, a sensualidade, o requebrado. É verdade também que nem todos os brasileiros correspondem a esse estereótipo – é por isso que tem esse nome, amiguinho. (Eu, por exemplo, manchei a reputação do país toda vez que dancei no exterior.) É uma caricatura da nossa gente, e, como nas ilustrações do tipo, os traços mais marcantes são exagerados – pode não corresponder exatamente à realidade, mas também não se pode ignorar.

Arrisco-me a dizer que a aversão ao carnaval é, de certa forma, aversão ao “ser brasileiro”, e não só ao que isso representa de ruim. Gostar de um país é como gostar de qualquer pessoa: não dá separar só o que interessa. Você convive com os defeitos porque sabe que as virtudes são maiores – ou manda passear porque acha a equação desigual demais. Não gostar do carnaval é assumir o rótulo de “nação de vira-latas” que nos foi conferido há mais de cinqüenta anos por Nelson Rodrigues, outro profundo conhecedor (e crítico) da natureza verde-amarela.

Talvez eu tenha exagerado um pouco nesse meu tratado sociológico. Lendo o que acabei de escrever, achei meio pueril. Talvez você, que não gosta de carnaval, tenha razão. Deve ser questão de gosto. Mas, se é questão de gosto mesmo, você deve ser um chato.

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sou uma chata por não gostar de carnaval. Posso ser por outro motivos, mas não por esse.
Eu não acredito que se possa rotular pessoas de chatas pelo seu gosto em relação ao carnaval.
Aliás, vejo o carnaval como uma época de lucro para funerarias e para a economia do país.

lastnight.blogs.sapo.pt

Leandro Leal disse...

Last Night: Mas, mais do que rotular, eu queria levar as pessoas (as duas que leram este texto) a uma reflexão, a quem sabe rever sua opinião sobre a folia, dar a ela uma segunda chance.

Tirando os abusos (alcoólicos, sexuais e quetais), o carnaval, em sua essência, é legal pra caramba. É uma festa sem paralelos. Se não fossem esses abusos, as funerarias não teriam tanto lucro durante o carnaval e, talvez, mais pessoas gostassem da festa.

Cris disse...

Eu sou chata, eu acho que é questão de gosto sim!! (rs)!. Eu adoro o carnaval, mas aquele das marchinhas, porque sei não, de repente, a gente vê o Axé, v~e até mesmo, música eletrônica, e tem mais depois do 2/ dia, até as marchinhas, vão ficando chatas...(Rs)! Agora, eu até entendo vc estar deslumbrado com o Carnaval, vindo dessa cidade maravilhosa, só não sei como é lá no Carnaval.

Leandro Leal disse...

Cris: O carnaval do Rio é muito legal, mas não esse das escolas de samba (que não faz a minha cabeça). Eu e meu amigos saímos nos blocos, com marchinhas, sambas das antigas e coisas do gênero. O clima é muito bacana, de respeito, com famílias inteiras brincando - óbvio, deve haver violência e desrespeito, mas não nos lugares onde estive. E você tem razão: o panorama do Rio ao fundo deixa tudo muito mais interessante. Isso, e algumas cervejas. :-)

ju leal disse...

eu nasci num dia de carnaval, minha mãe não deve gostar de carnaval, não deu tempo de "pular" e nem de fazer efeito na anestesia, vixe.