Meu último aniversário meio que coincidiu com o lançamento do seu “Caro
Morrissey...”, o que facilitou bastante a vida de quem quis me dar um presente
– alguns amigos podem até não ter certeza do meu nome, mas todos sabem que sou
fã do cantor. A explicação para eu não ter pelo menos umas cinco cópias do seu
livro está no fato de que, entre todos os meus amigos, o único que quis me dar
um presente foi o Tércio. Não que eu tenha ficado chateado com os outros,
Willy. Eles simplesmente me pouparam o trabalho de ter que ir à livraria trocar
por outros títulos e, assim, aumentar minha pilha de livros para ler. Nessa
pilha, no meio de tantos volumes comprados em promoções, está outra explicação,
porque não adquiri o seu livro antes. Mas no título da sua obra reside mais uma
explicação, para o fato de você ter passado na frente de gente
como Paul Auster, Philip Roth, John Cheever e George Orwell.
Você furou a fila, mas nem tanto. Antes de “Caro Morrissey...”, li alguns
dos que estavam na tal pilha e, em seguida, revisei meu próprio livro, que
também carrega Morrissey na temática e no nome. Mesmo que o meu romance já
estivesse concluído há dois anos, não quis correr o risco do seu influenciá-lo
– afinal, se livros podem ser rescritos depois de publicados, imagine antes.
Semana passada, enfim, passados quase dois meses, dei início à leitura. Era
noite de domingo e eu, com sono e má vontade – inconsciente, talvez por ver você, Willy,
como um rival –, li pouco e pouco gostei. Mas as páginas a mais lidas no dia
seguinte foram suficientes para desfazer a impressão inicial e a má vontade. Já
na sexta-feira, tinha dado cabo de todas as 357, abarrotadas de texto
condensado em tipologia minúscula e entrelinha simples. (Sim, Willy, eu sei que
foi uma decisão editorial para reduzir o número de páginas e o valor de capa,
mas atrapalha a leitura.)
Se a adolescência é uma fase particularmente complicada, o que dizer da
adolescência de Raymond, seu personagem? Sua má sorte começou aos 11 anos, num
incidente de natureza vagamente sexual, que o fez passar de herói da hora a pervertido local. Quer dizer, na verdade, o azar do menino teve início anos
antes, numa encenação natalina que não o tinha como protagonista, mas também
envolvia uma polêmica sexual. Somados a outros, esses eventos expulsaram o
garoto de sua cidade, forçando-o numa jornada em busca de trabalho braçal,
aceitação e, principalmente, paz de espírito. Durante o trajeto, feito à base
de caronas e desventuras, Raymond escreve sem parar. São cartas ao seu ídolo,
contando para ele (e para nós) a infeliz história de sua vida. Todas as
missivas – e capítulos – começam com o “Caro Morrissey...” que dá nome (convenhamos,
Willy, bem mais apelativo comercialmente que o original “The Wrong Boy”) à
edição brasileira. Aliás, gostei dessa sua escolha narrativa, Willy. Confesso
que gostei menos das partes em que a história é contada não pelas cartas, mas
pelas letras de músicas – inspiradas por Morrissey – que dividem o caderno do
menino com elas. Primeiro porque a tradução de poesia é sempre inglória – ainda
mais para quem não é poeta, como imagino ser o caso do tradutor –, depois
porque suponho que as letras sejam intencionalmente ruins. Tudo bem que as
letras são a minoria do livro, mas as mais de vinte páginas de “poesia” ininterrupta
quase me fizeram desistir. Sério.
Ao contrário do que diz a resenha da Rolling Stone, sei que você, Willy,
não é “fã devoto de Morrissey desde os primórdios dos Smiths”. Li na
“Mozipedia” – de título autoexplicativo, item indispensável para fãs devotos de
verdade, como você a essa altura deve ser – que você descobriu a banda depois
de já extinta, com o som vindo do quarto do seu filho adolescente. Foi para
fazer uma moral com o moleque que você escreveu a primeira “carta”, não foi? A
partir dela, você percebeu que a ideia tinha fôlego suficiente para se
desenvolver num romance. Lendo “Caro Morrissey...”, dá para entender porque o
texto fez sucesso com seu filho. Na voz do protagonista Raymond, em nenhum
momento ouvimos a entonação do “tiozinho” (desculpa a sinceridade, Willy) de
mais 50 anos que você era à época da publicação. Como as de Morrissey, suas
letras carregam tragédia e humor em doses alternadas, mas eu discordo da
crítica reproduzida na capa, que aponta o livro como “obra-prima do humor”.
Para mim, o que predomina mesmo nele é o drama.
Na “Mozipedia”, também vi que o próprio Morrissey leu seu livro e gostou.
Que moral, hein? Por isso, Willy, dá para dizer que você é o detentor do título
mundial nessa categoria. Também por isso, mesmo que disputemos na mesma
modalidade, não sei se devo considerá-lo um rival. No mínimo, porque, para
desafiá-lo, primeiro “Quem vai ficar com Morrissey?” precisa ser
traduzido para o inglês. E antes que isso aconteça, claro, meu livro tem que ser publicado
em português mesmo. Deixa como está. Com você, o cinturão está em boas mãos.
Do seu “rival”,
Leandro
PS: Para não ser injusto com os amigos, lembro que o Bucha me deu uma linda coleção de imãs de geladeira com as obras do Edward
Hopper. E que os camaradas que, além do Tércio, foram ao bar comemorar comigo
me pagaram várias doses. Além de livros bacanas, esse é bem o tipo de presente que gosto de ganhar.