terça-feira, 23 de dezembro de 2014

DedicatóriaS

Nunca fui muito bom com dedicatórias. É estranho dizer isso, uma vez que textos curtos e inteligentes e engraçadinhos fazem parte das minhas atribuições profissionais como redator publicitário, mas o fato é que dedicatórias nunca foram meu forte. Talvez exatamente por eu encará-las assim, como a oportunidade de exibir minha inteligência e meu senso de humor – esses, que as pessoas esperam que eu, como um sujeito que trabalha com criação, tenha –, quando, na verdade, dedicatórias talvez devessem ser muito mais simples. O texto que a gente escreve a mão, na folha que abre o livro, não pode querer competir com o conteúdo que precede – de outra categoria, inferior, corre enorme risco de nocaute logo nos primeiros segundos. Melhor é, portanto, apostar na singeleza, na despretensão de um “espero que você goste deste livro” ou algo do gênero. É, pode até ser, mas para mim nunca funcionou muito bem. Quando optei por essa tática, fracassei. Não um fracasso patente, perceptível pelas pessoas para quem eu escrevi as breves palavras, mas meu sentimento foi de ter perdido, se não por nocaute, por pontos. “Por que não pensei um pouco mais antes para escrever? Toda vez que a pessoa abrir a porra do livro, vai ver essas bobagens que qualquer um poderia ter escrito.” Dedicatórias sempre foram um fardo muito grande para mim, uma parte ínfima do cotidiano – mesmo que sempre presenteie livros, não é algo que faça todo os dias – com um peso muito maior do que sua frequência. Ainda hoje, sou assustado pelo fantasma de palavras idiotas escritas em livros que dei há mais de 10 anos.

Este ano, porém, tudo mudou. Não que tenha me tornado, de repente, um grande escritor de dedicatórias. É que me tornei um escritor, e nem foi de repente. Sempre escrevi, como tantos, para consumo próprio e de poucos. Mas só me arrisquei a me intitular assim quando o alcance da minha produção passou a ser um pouco maior, quando alguém ousou publicá-la em livro, e isso só aconteceu em 2014. Foi aí que, como se antes já não fossem opressoras, aquelas pequenas palavras azuis de esferográfica adquiriram um tamanho mais que garrafal no meu cotidiano. Se já esperavam palavras brilhantes de um publicitário, qual seria a expectativa com relação a um escritor? Que tática adotar agora? A singeleza das palavras despretensiosas, como quem diz “meu melhor texto vem a seguir” (o que, aliás, só pode ser subentendido, jamais escrito)? Ou a arrogância de quem acha que sempre pode se superar, como num Street Fighter em que você, tendo escolhido o Ryu, enfrenta a si mesmo, de quimono azul?

No dia do lançamento de “Quem Vai Ficar Com Morrissey?”, eu e as cervejas geladas competíamos para ver quem suava mais. As Heinekens me foram dadas em quantidade, na intenção de amenizar o nervosismo responsável pela sudorese. Mas elas pouco conseguiam além de me refrescar e embriagar, eram ineficazes contra a força opressora das minhas dedicatórias, que se multiplicavam como nunca e, mesmo por isso, o faziam de forma lenta, custosa. A fila de gente à espera dos meus garranchos se avolumava e também não ajudava. No começo, busquei escrever coisas personalizadas – até para as pessoas que não conhecia –, mas, vencido pela impaciência dos que esperavam e pelo bem da minha sanidade, optei por um padrão, com sutis alterações. Isso sem contar algumas das pessoas mais próximas – família e amigos – que, ao invés do autógrafo, ganharam de mim a promessa de que, depois, em outra ocasião, eu capricharia no que lhes escreveria. Se essa estratégia me deu certo tempo, também me fez ganhar a antipatia de alguns, de quem vieram críticas cochichadas e fofocadas – além de escritor, naquele dia fui promovido também a esnobe.


Um desses amigos relegados “a segundo plano”, justamente um dos melhores, só recebeu sua dedicatória outro dia. O que lhe escrevi foi singelo, mas não foi por opção tática. Foi o que saiu, e saiu até rápido, bonitinho. Mas nem tudo no mundo das dedicatórias sem floreios é florido (desculpe, não resisti). Também recentemente, escrevi algumas palavras a outro grande amigo, que me deu vários toques durante o processo de escrita. A ele agradeci pelo “inSentivo”. Depois, olhando envergonhado aquela aberração ortográfica, usei o barulho do bar como desculpa pela minha desconcentração. Aquele “S” intruso era um sinal, as dedicatórias me avisando: elas jamais me deixariam em paz.  

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Tito e Peter Parker (ou o Direito de ter uma opinião diferente)

Peter Parker ouvindo o conselho do tio: a ficha só caiu depois.

O Tito é jovem. Como todo jovem deveria ser, é idealista. Acha que pode mudar o mundo. Ou, pelo menos, o voto dos seus amigos – como hoje chamamos centenas de pessoas que mal (e muita vezes nem) conhecemos, mas cujas fotos, palavras e intimidades aparecem nas nossas telas por força das redes sociais. O Tito, esse sonhador, quer um país mais justo, mais igual. Por acreditar que o atual governo tem feito um bom trabalho nesse sentido, ele “faz campanha” pela reeleição da presidente Dilma, divulgando vídeos e textos dos avanços alcançados pela sua administração. Tenta, também, manter um diálogo educado e razoável com todos os “amigos” que comentam seus posts, a maioria o recriminando por sua escolha eleitoral. Nem sempre consegue – sabe como é, o Tito mora em São Paulo, e por estas bandas você recebe melhor tratamento se assumir publicamente ser pedófilo.

Eu, como um entre as centenas de “amigos” do Tito, acompanho essa troca de mensagens públicas – ao evoluir para discussões, ele tem o bom senso de avisar os interlocutores que prefere transferi-las para o campo inbox. Mas, como um amigo sem aspas do Tito, me preocupo com a hostilidade de que ele tem sido alvo e, portanto, tento dissuadi-lo do debate nas redes sociais. Como já tinha feito antes – quando ele se posicionou de modo favorável aos “rolezinhos” e chegou a ser ameaçado –, o aconselhei a, sempre que quiser expor suas ideias sobre assuntos polêmicos, chamar amigos a uma mesa de bar. Entre pessoas que se respeitam e respeitam opiniões diferentes das suas, as chances de receber uma ameaça de morte são nulas. Já nas redes, que se têm mostrado (com o perdão do trocadilho) bastante antissociais, as chances de perder “amizades” são grandes – e graças à crescente dificuldade de se interpretar sutilezas e ironias, até mesmo amizades sem aspas. Terminei minha última mensagem ao meu primo (sim, esse rapaz é meu primo, o considero um irmão mais novo) dizendo a ele que, embora também tivesse minhas convicções, preferia dividi-las no off-line, pelos motivos que já disse, e reforcei minha preocupação com ele. Do outro lado, resposta nenhuma. Um silêncio que me fez refletir.

O ódio que pauta a troca de opiniões na atual eleição, evidentemente, não é privilégio exclusivo do meu primo. É um assunto comum em qualquer roda de conversa – on e off-line – e, por isso mesmo, faz muitas pessoas nascidas em tempos pré-internet (meu caso) afastarem-se do debate na redes. Afinal, não sou pago para defender ninguém e, portanto, nada ganho se for ofendido e (ou) ameaçado, penso eu. Ou, melhor, pensava. Refletindo sobre isso, me dei conta do quão velha é esta posição. As redes amplificaram enormemente o poder individual de difundir informação/opinião, e isso não pode ser ignorado. Fazê-lo seria o mesmo que fez o jovem Peter Parker, já picado pela aranha radiativa, ao deixar passar o criminoso que viria a assassinar seu tio. Mas, como lembrou esse mesmo senhor ao sobrinho antes disso: “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Antes de sair escrevendo ou repassando qualquer coisa, melhor ponderar bem, verificar a procedência e a veracidade da informação – afinal, se nos tornamos todos veículos, devemos adotar a mesma responsabilidade que exigimos dos tradicionais. Dito isso, concluo que não há problema em expressar um ponto de vista. Desde que seja de forma educada, com o tom adequado, com o respeito que jornais e revistas devem ter aos seus leitores – que, no caso da rede, são todos os “amigos” que recebem nossas atualizações. Você tem, claro, o direito de se isentar – como até agora eu fiz – mas, optando por isso, você também abre mão daquele outro direito. O que me deixa feliz é ver que, além do Tito, há outras pessoas ponderadas (mais velhas do que ele e até mais velhas do que eu) expressando seu voto. Em alguns casos, o voto é outro, mas a sensatez é a mesma que pretendo ter imprimido a este texto – que dificilmente será lido por inteiro, eu sei.

Voto na Dilma, como vota o meu primo. Se quiser comentar, por favor, use de educação.  E, por favor, não leve para o lado pessoal. Continuo não recebendo nenhum dinheiro para ser ofendido e (ou) ameaçado.


PS: Não sou pedófilo, amigos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Who Put The P in Portugal?


Em 2007, morei durante alguns meses em Lisboa. Parte desse tempo, na casa do meu grande amigo Fábio São Pedro – que tem um coração bem maior do que o apartamento que ele e a então esposa ocupavam no (bairro do) Rato. Como eu, o Fábio é publicitário, diretor de arte. No caminho do aeroporto para sua casa, me contou que estava duplando (o verbo que nós, criativos, usamos para nos referir a trabalhar em dupla) com um redator português, o Pedro Gonçalves.
 
Até pouco tempo, disse, o Pedro trabalhava como jornalista musical, tendo sido diretor de redação da Blitz – a maior revista lusitana dedicada ao tema. Mais legal que o currículo, só o próprio Pedro, garantiu meu amigo. Não precisei esperar muito para comprovar. Quando terminávamos nosso almoço – um frango que a Carol tinha comprado sem saber que eu não gosto, mas que, morrendo de fome, devorei sem pensar –, o Pedro apareceu por lá. Já nas primeiras palavras que trocamos, percebi que se tratava de cara porreiro (um dos adjetivos que nossos irmãos usam para se referir a coisas e pessoas bacanas). De cara, ele já me fez inveja duas vezes: a primeira ao dizer que, numa entrevista, jantou com o Robert Smith e os demais The Cure; a segunda, ao anunciar que assistiu ao vivo, em lugar privilegiado (do lado do Alex Kapranos, do Franz Ferdinand) ao show de 45 anos do Morrissey – que só vi no fabuloso DVD “Who Put The M in Manchester?”. Ah, sim, o Pedro se revelou grande fã do Moz e sua antiga banda. Desnecessário dizer que nos tornamos bons amigos. Nos meses seguintes, tomamos vários imperiais (os chopes da terra de Pessoa) no Bairro Alto, em várias oportunidades para ouvir mais histórias do Pedro, ótimas como aquelas com que ele me brindou quando nos conhecemos.

Passados quase 7 anos, quando fechava “Quem Vai Ficar Com Morrissey?”, o editor Marcelo Viegas me perguntou quem eu recomendava para escrever o prefácio do livro. Sem pensar muito, como não havia pensado para comer aquele frango, falei o nome do Pedro. Mas, bem ao contrário do meu primeiro almoço em Lisboa, não o fiz porque “era o que tinha”: se o Pedrão topasse, seria do caraças (versão publicável lisboeta para “do caralho”), uma grande honra. Havia, no entanto, o problema do tempo. Se o prazo já seria apertado se ele já tivesse lido o livro, imagine sem ainda tê-lo feito? Quanto a isso, eu dizia ao Pedro para não se preocupar, que, sem ler, as chances de falar bem do livro eram bem maiores. Mas você acha que o renomado Pedro Gonçalves assinaria o prefácio de um livro sem saber do que se trata? Amizade tem limites. Felizmente, ele leu, gostou e achou espaço na sua corrida agenda para escrever a apresentação do meu primeiro romance. Sorte minha e de quem pôde ler frases lapidares como “Quem tem os Smiths, Johnny Marr e Morrissey na sua vida tem mais do que os outros. Que me desculpem os outros.” E eu digo: “Quem tem amigos como o Pedro na sua vida tem mais que os outros. Que me desculpem os outros.”


Feliz aniversário, Pedrão. Toma umas imperiais no Bairro Alto por mim, se faz favor.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A Corda

“Bom-dia”. Eu sempre cumprimentava as pessoas assim, variando, obviamente, com o período do dia em que as encontrava. Não se tratavam de “bons-dias” (ou “tardes” ou “noites”) ditos de forma doce, com voz melosa, sorriso bobo e piscadelas. Meus “bons-dias” (ou “tardes” ou “noites”) correspondiam a uma tentativa de preservação da civilidade, esse animal raro, incapaz de se reproduzir no cativeiro da vida moderna.

Lutava contra a extinção da civilidade porque dessa espécie dependia outra, consequentemente também em perigo: minha própria sanidade. No meu ecossistema – mais parecido com o quintal dos fundos de uma casa de periferia –, é como se uma fosse a frágil e esfarrapada corda que mantinha a outra, raivosa vira-lata mestiça de fila brasileiro, presa a uma árvore. Sem nunca deixar de espumar, a sanidade rosnava, como a dizer que, se a civilidade a mantinha presa, era simplesmente porque ela concordava em ficar assim. Até chegar o dia em que o fiapo de corda não foi capaz de segurar o cão.

No andar do meu trabalho, o elevador se abriu e tentei fazer o mesmo à minha cara fechada. “Bom-dia” para as primeiras pessoas que encontrei. Para a moça da limpeza, que cumprimentou de volta, sorridente. Para o cara que nem sabia quem era ou o que fazia. Sem se dar ao trabalho de erguer os olhos do celular, respondeu: “E aí?”

- “E aí” o quê, porra?
- Oi?
- “Oi” é o caralho! Te dei “bom-dia” e você responde “e aí?”
- Eu, hein? Dá licença...
- “Dá licença” o seu cu, babaca. Você sabe o quanto me custa olhar prum bosta como você e dar “bom-dia”? Ainda mais já sabendo que a resposta vai ser essa porra de “e aí”?
- Então, por que você dá “bom-dia”?
- Por causa do vira-lata mestiço de fila brasileiro e da corda esfarrapada...
- Mano, cê é maluco...


Foi exatamente o que o meu advogado alegou no recurso.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Eterno 7x1

No campeonato brasileiro de 2005, o Santos levou a sua mais humilhante goleada – o “eterno 7x1” ainda hoje lembrado pela torcida do Corinthians e por faixas que sempre levam ao estádio quando os times se enfrentam. Estava num churrasco na casa de um amigo – “corintiano”, mas felizmente entre aspas –, e não havia nenhuma televisão ou rádio ligado transmitindo o jogo. Não ouvi rojões – surpreendentemente, já que estávamos em Diadema, região de predominância da torcida adversária –, então, só soube do resultado no carro, a caminho de casa, quando liguei o rádio. Minha namorada ficou assustada com a minha reação. Espumando, quase perdendo o controle da direção, eu me perguntava como os caras podiam ter feito aquilo à história do Santos. Depois, com a queda do técnico Nelsinho Batista, ficou claro o objetivo escuso dos jogadores. O único que parecia não compactuar com aquilo era Giovanni, indignado com o placar e com a atuação dos colegas, preservando-se como o ídolo que sempre foi.

Depois daquilo, presenciei duas outras goleadas históricas sofridas pelo Santos, ambas para o Barcelona. Na primeira delas, na final do campeonato mundial, o time de Neymar e Ganso, campeão da Libertadores, foi atropelado pelo esquadrão de Messi, tido como um dos melhores de sempre. Alvinegros entraram em campo respeitando (leia-se temendo) demais os espanhóis e, mesmo os jogadores de quem mais se esperava, não corresponderam ao mínimo. Na época, levantou-se a hipótese de nosso principal jogador já ter entrado em campo pré-vendido aos adversários. Pouco mais de um ano depois, quando Neymar foi de fato negociado com o time catalão, esse detalhe subterrâneo e antiético foi confirmado. Havia um dinheiro envolvido no negócio desaparecido, mas, ainda que a tal quantia fosse recuperada, o orgulho da torcida jamais seria. Sempre há, no entanto, como se mostrou depois, um jeito de se piorar as coisas. Parte da pagamento pelo maior jogador surgido nas últimas décadas em nosso país envolvia duas partidas entre seu antigo time e o novo. Era parte de uma estratégia de marketing para reposicionar o Santos no cenário internacional, orgulhava-se a diretoria. No primeiro jogo, sem fazer muito esforço, o Barcelona enfiou o dobro de gols que já havia feito menos de dois anos antes. Como desculpa, podemos dizer que o Santos de então era um time em formação, a imensa maioria garotos inexperientes. Mas usavam a camisa do Santos e, portanto, eram o Santos, porra! O que eu e tantos santistas estávamos pensando foi expressado por Coutinho, um dos maiores ídolos do Santos, com quem tive a oportunidade de conversar àquele dia, no bar onde foi organizado um evento para a transmissão do massacre. O ex-jogador, cuja habilidade, mais do que o físico, o fazia ser confundido com Pelé, fez uma análise parcial e mal humorada como não costumamos ouvir de alguém na sua posição.

Aí, menos de um ano depois, um vexame ainda maior, desta vez, não do Santos: do Brasil, único time para o qual torço além dele. Veio com os mesmos números que ficaram estampados na faixa corintiana e na triste memória santista. Outro 7x1, e esse 1 não pode ser chamado de gol de honra, como gosta o jargão futebolístico. O empenho de Oscar, recompensado com o gol solitário, não foi suficiente para recuperar os brios da Seleção, assim como o chute de Geílson em nada aliviou a humilhação imposta ao Peixe por Tevez e sua turma, em 2005. Ao lembrarmos do Santos naquele ano, podemos usar como duvidoso atenuante a intenção do jogadores de derrubar o técnico. Se a derrota em questão for a de 2011 para o Barcelona, sempre se pode culpar a submissão com que a equipe jogou. Se falarmos da atropelamento do ano passado, a responsabilidade pode ser atribuída à inexperiência do elenco – ou, ainda, à inconsequência da diretoria, que, querendo, poderia ter evitado aquilo. Nenhuma dessas explicações, porém, serve para o que aconteceu ao Brasil há dois dias. Felipão tratava os jogadores como filhos, e nenhum dos “Scolaris” parecia ter vocação ao parricídio. Nossa Seleção não se julgava absolutamente inferior à alemã. E mesmo que houvesse alguns jovens na escalação, não dá para defini-los como inexperientes.

Mas, se a diretoria da CBF, ao contrário da do SFC, não tinha como evitar o confronto, isso não a exime de culpa. Um antigo chefe dizia: “a culpa é de quem contrata”. E foi a diretoria da CBF quem contratou Felipão, um técnico ultrapassado, e toda a sua comissão técnica, ainda mais ultrapassada – entre idas e vindas, Parreira faz parte dos quadros desde 1970. Por sua vez, foi essa comissão que contratou (convocou) todos os jogadores e os preparou (mal) para a Copa: o choro descontrolado no jogo contra o Chile era o prenúncio do outro, muito mais justificado, que viria após o flagelo alemão. Foi essa comissão que não cansou de bater no peito e se autoproclamar favorita, desafiando os códigos do futebol, que pregam a humildade – mesmo que falsa. Foram eles, diretoria e comissão, que cometeram tantos erros que hoje você pode ler em qualquer coluna esportiva, num tom de já “eu já sabia”.

Eu também já sabia. Como também sabia que o Santos não seria capaz de vencer o Barcelona na final de 2011, como suspeitava da goleada que viria no “amistoso” (por acaso existe espancamento amistoso?) de 2013. A Seleção não estava jogando nada e, se com Neymar as chances não eram boas, sem ele a coisa certamente pioraria. Mas acreditava – ou queria acreditar – que a inferioridade tática e técnica, a falta de preparo adequado e a falta do craque podiam ser preenchidas com outros excessos – de garra, de doação, de comprometimento, de todos os clichês da autoajuda esportiva. Torci e torci muito, mais do que normalmente. Sabia que, enquanto estiver vivo, dificilmente terei a oportunidade de presenciar o Brasil conquistar a Copa em casa. Não foi desta vez. Tudo o que eu e você já sabíamos abriu caminho para que apenas um dos times da grande final dos sonhos estivesse realmente presente nela: nosso maior rival, a Argentina.


Mas ainda continuo torcendo. Para que os 7x1 sejam sempre lembrados, e que, com a cabeça eternamente inchada por esse placar, venham as mudanças radicais de que a CBF e todo o futebol brasileiro tanto precisam. Como também torço para que aconteça com o Santos. Para que os dois, Santos e Seleção, não dependam da sorte que, vira e mexe, lhes fornece jovens talentos, capazes de vencer o misto de desonestidade e incompetência com que essas instituições são geridas.